sábado, 27 de março de 2010

Os perigos de uma crítica maniqueísta

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Os perigos de uma crítica maniqueísta

Kabengele Munanga*

Folha de S. Paulo - Tendências/Debates 26 de março de 2010

A demanda social das políticas de ação afirmativa se fundamenta na situação estrutural das relações entre brancos e afrodescendentes


POR QUAL motivo o STF promoveria uma audiência pública antes de votar matéria de sua competência, como se seus ministros não tivessem já opinião construída sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade das cotas "raciais"? Penso que o Supremo teria partido do suposto de que as leis sozinhas não resolvem todos os problemas de uma sociedade e que era preciso reunir opiniões e pontos de vista provindos de diferentes setores.

É no âmbito dessa audiência pública que se coloca o pronunciamento do senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Os argumentos que defendeu provocaram reações, interpretações e comentários críticos que o geógrafo Demétrio Magnoli, em artigo neste espaço ("O jornalismo delinquente", 9/3), qualificou como delinquência, amnésia ideológica, falsificação da história, manipulação, ignorância etc.

Conhece-se a facilidade sem limites que o geógrafo Demétrio Magnoli tem para atribuir palavras de sua conveniência a seus adversários. Mas o que disse exatamente o senador? Em seu pronunciamento, deixou claramente explícita sua posição contrária às cotas "raciais". Afirmou que não aconteceram sequestros e capturas de escravos porque foram os próprios africanos que o fizeram. Eles forneciam escravos não apenas aos mercados ocidentais e americanos, mas bem antes ao mundo árabe.

O senador disse ainda que os donos de escravos não eram somente brancos ou ocidentais, mas também africanos ou negros. Acrescentou à sua peça acusatória que os abusos sexuais cometidos contra as mulheres negras durante o regime escravista eram algo consentido. Ademais, criticou a categoria censitária que soma negros e mestiços numa única classificação e aproveitou para alfinetar os efeitos manipuladores das pesquisas quantitativas do IBGE e do Ipea. Chegou até a negar a existência no Brasil do racismo estrutural, reiterando a posição já antiga do racismo socioeconômico embutido no mito de democracia racial.

Na minha interpretação, o senador deixou claro que o Estado brasileiro não teria nenhuma obrigação de compensar os afrodescendentes por meio de políticas de ação afirmativa pelos crimes cuja responsabilidade cabe em parte aos próprios africanos que venderam seus "irmãos" mundo afora. Não surpreende que o senador tenha uma posição contrária.

No entanto, o conteúdo de seus argumentos, pela posição que ocupa, causou estranhamento e mal-estar político. Afirmar publicamente que a violência sexual contra a mulher negra durante o regime escravista era consentida é ignorar o contexto de assimetria e de subalternidade em que esses abusos eram cometidos. Afirmar que não aconteceram sequestros e capturas durante o tráfico negreiro é chocante para quem conhece um pouco dessa história. Todos os presentes à audiência pública, pelo menos os do campo oposto, ficaram horrorizados com as palavras do senador.

Os termos "negro", "africano", "europeu" e "branco" remetem ao mesmo contexto, pois os traficantes africanos ou reinos africanos eram negros, e os traficantes europeus eram brancos. Não vejo nenhuma manipulação ao trocar um termo por outro, a não ser na visão deturpada de alguns.

Os fatos históricos não são de todo incorretos, mas o que importa é a condenação moral da escravidão, externa ou interna, independentemente da origem geográfica ou "racial" do traficante. Ninguém inocentaria a Alemanha nazista pelo fato de o Holocausto ter contado com colaboradores europeus e traidores judeus.

Seria bom reafirmar que nenhum historiador negaria a participação de alguns reinos africanos no tráfico negreiro. Mas isto é certo: nenhum navio negreiro era propriedade dos africanos e nenhum traficante africano atravessou mares e oceanos para vender seus "irmãos" no exterior. Ao dizer isso em outros termos, o professor Luiz Felipe de Alencastro não está tendo nenhuma amnésia ideológica, como o sugere o geógrafo Demétrio Magnoli.

A demanda social das políticas de ação afirmativa não se fundamenta nesse passado escravista evocado pelo senador. Não se baseia na lógica da reparação coletiva em comparação com à que foi concedida ao Estado de Israel e aos israelitas vítimas das vexações nazistas.

Ela se fundamenta, do meu ponto de vista, sobretudo na situação estrutural das relações entre brancos e afrodescendentes que, segundo estatísticas de IBGE e Ipea, apresenta um tão profundo abismo acumulado em matéria de educação que jamais poderá ser reduzido apenas pelas políticas macrossociais ou universalistas.

* Kabengele Munanga, antropólogo, é professor titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É autor, entre outras obras, de "Origens Africanas do Brasil Contemporâneo: Histórias, Línguas, Culturas e Civilizações" e "Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil. Identidade Nacional versus Identidade Negra".

Recebido de Jurandir Nogueira

Folha de São Paulo
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Evento: A População Negra na Ciência e Tecnologia

A População Negra na Ciência e Tecnologia

De 6/4/2010 a 8/4/2010

Agência FAPESP (26/3/2010) – O 1º Simpósio “A População Negra na Ciência e na Tecnologia” será realizado no campus de Pirassununga da Universidade de São Paulo (USP) entre os dias 6 e 8 de abril.

O foco do evento é a participação da população negra nas atividades de ciência e tecnologia. Segundo os organizadores, no Brasil a presença de pesquisadores negros é pequena em comparação à representação dessa população no país, por isso o encontro também visa a apontar ações para tentar mudar esse quadro.


Entre os temas a serem debatidos estão: “Experiências afirmativas na inclusão de jovens negros e negras nas áreas de C&T”, “Ciência e tecnologia e desenvolvimento social da população negra” e “Relações raciais e de gênero no âmbito da educação científica e tecnológica”.

O simpósio terá a participação dos pesquisadores: Alberto Pompa Nuñes, da Universidade Agrária de Havana (Cuba); Geri Augusto, da Universidade de Brown (Estados Unidos); Henrique Cunha Junior, da Universidade Federal do Ceará; Lúcia Mutaquileno Lucas e Mário Lisbôa Theodoro, da Universidade José Eduardo dos Santos (Angola); Samuel Kofi Baidoo, da Universidade de Minnesota (Estados Unidos); e Sônia Guimarães, professora do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).

O evento é gratuito e aberto a todos os interessados. As inscrições podem ser feitas até o dia 26 de abril pelo site: www.usp.br/lafac/simposio/index.html

Fonte: Agência FAPESP
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sexta-feira, 26 de março de 2010

As cotas para negros e a desigualdade brasileira

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As cotas para negros e a desigualdade brasileira

Fernando Abrucio*

Época - 22/03/2010

O sucesso das políticas públicas depende da definição clara dos problemas que elas querem combater, bem como da adoção de medidas que acertem o alvo correto. Essa pequena digressão técnica é necessária para tornar mais preciso um debate que está no centro da agenda pública: a questão das cotas para negros em universidades. Para que serviria essa política discutida hoje de forma tão radical? Com certeza ela não seria capaz de atenuar o sofrimento dos negros durante a escravidão.

Quanto a isso, o máximo que podemos fazer é lembrar sempre dessa mácula da história brasileira. É importante frisar isso porque alguns revisionistas têm argumentado que a população negra não sofreu tanto assim, pois alguns dos africanos foram traficantes e, outros, quando libertos, logo compravam seu escravinho. Há ainda a tese, arrancada à força do pensamento de Gilberto Freyre, de que a convivência entre brancos e negros fora pacífica. Afinal, milhares de estupros foram consentidos.

Tais analistas produziram uma grande falácia lógica. A existência de alguns escravos traficantes ou compradores de outros indivíduos de sua cor não elimina a existência de um brutal sistema opressor contra milhões de pessoas. Foi contra isso que os abolicionistas se insurgiram. Creio que nossos intelectuais revisionistas talvez fossem à época contra a abolição, porque tudo estava bem no Brasil da miscigenação. Em sua argumentação, esse revisionismo não é diferente do praticado por historiadores que desmentem a existência do Holocausto por encontrarem a existência de um ou outro judeu que apoiou o nazismo.

Apresentar o debate da escravidão de forma completamente distorcida não ajuda o debate das cotas. Não que as desigualdades atuais sejam fruto apenas da escravidão. É bem provável que muito da situação atual se explique pela falta de políticas no pós-escravidão. Mas um fato é evidente nos estudos empíricos: há desigualdade entre brancos e negros com mesma situação de renda e escolaridade.

Muitos estudos econométricos mostram que, em contexto social similar, os negros têm pior desempenho escolar que os brancos. Recentemente, coordenei uma pesquisa sobre escolas públicas e um dos pesquisadores presenciou o que só conhecíamos por estatística. Numa sala de aula com alunos em situação equivalente de pobreza, havia uma divisão na qual, de um lado, ficavam os brancos e, de outro, os negros. Isso se repetia no intervalo. Pior: o tratamento docente era francamente favorável aos brancos. Conversamos com a professora e com a diretora: nenhuma delas havia percebido essa discriminação. Um racismo tão invisível e enraizado é difícil de combater apenas com políticas iguais para todos. Para questões como essa, deveria valer a máxima de tratar desigualmente os desiguais para alcançar a justiça social.

Um racismo tão invisível e enraizado
é difícil de combater apenas
com políticas iguais para todos

Não pense, leitor, que o problema está resolvido, pois a forma como for feita a política afirmativa, termo mais correto que cotas, afetará os resultados. Cotas muito amplas e sem nenhum critério de mérito não podem ser um desestímulo para o estudo dos negros? Ademais, o cotismo não poderia se transformar numa política racialista que geraria uma tensão inexistente em nossa sociedade? São perguntas fundamentadas (e não ideológicas) em termos de políticas públicas.

Para elas, deve haver respostas ainda no terreno das políticas afirmativas. É possível ter cotas mais controladas do ponto de vista do tamanho e do mérito, inclusive com ações de ajuda aos negros já nos ciclos escolares anteriores, uma vez que a maioria deles fica no meio do caminho e nunca será cotista. Quanto ao possível acirramento racial, ele não tem acontecido nas universidades com cotas. Uma legislação e um debate equilibrado poderiam conter isso.

Há dois outros grandes benefícios que uma política cotista equilibrada produziria. O primeiro é aumentar a autoestima dos negros, por meio da constituição de novas lideranças lastreadas na escolaridade. Além disso, teríamos uma maior diversidade em nossas melhores universidades, onde os negros são raríssimos. Se tivéssemos tal diversidade no meio das elites, a discussão da escravidão não teria sido retomada de forma tão leviana e inconsequente.

* Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

Extraído de Clipping Planejamento

Recebido de Adagoberto Arruda
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terça-feira, 16 de março de 2010

Aula Pública em defesa das cotas - UNEafro

Aula Pública em defesa das cotas reúne centenas de estudantes

Evento marca o primeiro aniversário da entidade do movimento negro UNEafro

09/03/2010 Cleyton Borges www.uneafrobrasil.org São Paulo

Em plena manhã de sábado (dia 6 de março), debaixo de muita chuva, cerca de 500 militantes da UNEafro-Brasil (União de Núcleos de Educação Popular para Negras(os) e Classe Trabalhadora) participaram da Aula Pública em Defesa da Aprovação de Cotas pelo STF. O Ato aconteceu no auditório do sindicato dos Químicos, centro de São Paulo e inaugurou o ano letivo dos cursinhos da UNEafro em 17 cidades do Estado de São Paulo.


O tema foi estimulado pela Audiência Pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na qual foi discutida a constitucionalidade do sistema de cotas nas universidades públicas. Para Douglas Belchior, membro do Conselho Geral da UNEafro, que coordenou a mesa de debates, o intuito principal da aula foi iniciar o processo de formação política dos estudantes dos cursinhos e reunir forças sociais a favor das cotas e ações afirmativas para negros(as).

Como convidados marcaram presença Milton Barbosa, fundador do MNU, João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, Édson França, da UNEGRO, Cidinha Aparecida, do INSPIR, o rapper Aliado G, da Nação Hip Hop, Luciana Araújo, da Revista Debate Socialista, Juninho, do Círculo Palmarino, Alex Minduim, da Gaviões da Fiel, Wagner Hosakawa, Secretário da Assist. Social de Guarulhos e Gabriel Sampaio, da Consulta Popular.

Do campo mais acadêmico estiveram presentes os professores Evandro Luis, Pró-reitor Comunitário da USF e Profª Ana Karin, da FESB. O presidente do Sindicato dos Bancários de SP, Luiz Claudio e representantes do Sinsprev/SP e Sasp, além do deputado federal Ivan Valente e dos deputados estaduais José Cândido, Vicente Cândido e Raul Marcelo também estiveram presentes.

A integrante do Conselho Geral da UNEafro, Elenilza Ferreira, de Bragança Paulista, afirmou que atualmente a única maneira de essa parte da população ter acesso à universidade são as cotas. “Queremos um ensino público melhor e os nossos alunos dentro da universidade pública, mas o sistema não permite isso”.

Representando a Direção Nacional do MST, João Paulo Rodrigues disse que "a luta pelo acesso de negros e trabalhadores à faculdade é uma luta que unifica os movimentos do campo e da cidade." João Paulo defendeu que a universidade pública deve ser, por direito, dos estudantes de escola pública, principalmente negros e indígenas. "A juventude aqui presente deve se mobilizar cada vez e lutar por esse direito" disse.

Membro do Círculo Palmarino, Joselício Junior, (Juninho) destacou que o grupo defende a adoção de cotas como elemento de reparação histórica de uma população que foi escravizada no Brasil e no processo de abolição foi excluída social, econômica e culturalmente. “E sabemos que em nossa sociedade a produção de conhecimento é produção de poder também”.

Milton Barbosa, fundador do MNU – Movimento Negro Unificado, destacou a importância da mobilização da juventude e do trabalho realizado pela UNEafro. “Estou hoje recebendo um presente. O empenho e a luta contra o racismo e por políticas sociais para o povo negro norteou minha vida e a vida do MNU. Ver essa juventude encampar essa mesma luta é um presente.”, disse emocionado.
No final da aula pública Douglas Belchior destacou a importância de os estudantes acompanharem o desenrolar do tema e deixou, como tarefa que todos (as) enviem e-mails para o Supremo Tribunal Federal. "Vamos continuar a formação em cada núcleo e organizar ônibus para Brasília, pois a pressão popular será fundamental para manter as cotas existentes hoje em mais de 90 universidades públicas" concluiu. O evento marcou o primeiro aniversário de fundação da UNEafro-Brasil.

Ler mais e acessar os vídeos em www.uneafrobrasil.org

Matéria extraída de Brasil de Fato

quinta-feira, 11 de março de 2010

Audiência Pública sobre Cotas, em março 2010

Destruir a obra

Miriam Leitão
03 de março de 2010

É a temporada. Tempo de sofismas e argumentos tortos. Tempo das mesmices repetidas com ares de descobertas recentes. Hora de escapar do debate sobre a questão racial brasileira. Não precisava ser assim. Podia ser um tempo de avanços. Mas os que negam o racismo brasileiro preferem esse cerco à inteligência, ao óbvio, ao progresso.

Num ambiente negacionista, foi um alívio ouvir as explicações simples e diretas da secretária de Estado americana Hillary Clinton na Faculdade Zumbi dos Palmares, onde escolheu debater com estudantes. Hillary defendeu as ações afirmativas dizendo que, com elas, os EUA estão deixando para trás os vestígios da escravidão:

— Temos feito um grande progresso com as ações afirmativas em aumentar as oportunidades na educação, no emprego para os afro-americanos. Elas são o reconhecimento de que as barreiras históricas criam um funil que impede o acesso do grupo discriminado a níveis superiores de educação. É preciso alargar a entrada e deixar mais gente entrar. O talento é universal, mas as oportunidades, não. O acesso na universidade não é, no entanto, a garantia da graduação.

Hillary contou que, como professora de Direito, percebeu que muitos alunos que entraram por ação afirmativa tiveram dificuldades maiores pelas falhas da educação anterior. Ela se dedicou a esses alunos no sistema tutorial:

— Simplesmente não podemos aceitar os estudantes na universidade para deixar que eles falhem. Eles têm que ser ajudados.

O sistema americano é diferente do nosso, mas discriminação é parecida em qualquer país do mundo. Ela barra com obstáculos sutis ou explícitos, negados ou assumidos, a ascensão de grupos discriminados por qualquer motivo, racismo, sexismo, ou outras intolerâncias. Lá, eles não têm cotas, não têm vestibular; o sistema, como se sabe, é o de application, o de se candidatar a uma vaga apresentando suas credenciais escolares. Ao avaliar quem entra, as escolas dão pontuação maior a quem vem de um grupo discriminado. Cada universidade tem um critério, um método e uma meta diferente, mas todas buscam um quadro de alunos com diversidade. Os alunos com menos chance de estar lá têm preferência nas bolsas para as caríssimas universidades privadas americanas.

— Estou muito orgulhosa das conquistas dos últimos 50 anos do movimento dos direitos civis, pelos que lutaram como Martin Luther King e outros, mas não posso dizer que o meu país não tem racismo, não tem sexismo — disse a mulher que comanda a mais poderosa diplomacia do mundo e é chefiada por um negro, que preside o maior país do mundo. Ela não vê a sua ascensão, nem a do presidente Obama, como provas de que não há barreiras para negros e mulheres.

Essa sinceridade é encantadora porque é rara no Brasil. Esse reconhecimento da existência do problema, e de que ele é vencido por ações concretas de políticas públicas e de empresas, dá esperança.

No Brasil, o esforço focado nos negros é chamado de discriminação. E os brancos pobres? Perguntam. Eles estão também nas ações afirmativas, e nas cotas, mas o curioso é que só se lembre dos brancos pobres no momento em que se fala em alguma política favorável a pretos e pardos.

É temporada da coleção de argumentos velhos que reaparecem para evitar que o Brasil faça o que sugeriu Joaquim Nabuco, morto há 100 anos, em frase memorável: “Não basta acabar com a escravidão. É preciso destruir sua obra.”

Diante de qualquer proposta para reduzir as desigualdades raciais, principal obra da escravidão, aparece alguém para declamar: “Todos são iguais perante a lei.” E são. Mas o tratamento diferenciado aos discriminados existe exatamente para igualar oportunidades e garantir o princípio constitucional.

O senador Demóstenes foi ao Supremo Tribunal Federal com um argumento extremado: o de que os escravos foram corresponsáveis pela escravidão. “Todos nós sabemos que a África subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para a Europa. Não deveriam ter chegado na condição de escravos, mas chegaram. Até o princípio do século XX, o escravo era o principal item de exportação da pauta econômica africana.”

Pela tese do senador, eles exportaram, o Brasil importou. Simples. Aonde o crime? Tratava-se apenas de pauta de comércio exterior. Por ele, o fato de ter havido escravos na África; conflitos entre tribos; tribos que capturavam outras para entregar aos traficantes, e tudo o mais, que sabemos, sobre a história africana, isenta de culpa os escravizadores. Trazido a valor presente, se algumas mulheres são vítimas de violência dos maridos, isso autoriza todos a agredi-las. Ou se há no Brasil casos de trabalho escravo e degradante, isso permite aos outros povos que façam o mesmo conosco. Qual o crime? Se brasileiros levam outros brasileiros para áreas distantes e, com armas e falsas dívidas, os fazem trabalhar sem direitos, qualquer povo pode escravizar os brasileiros.

O senador Demóstenes é um famoso sem noção e com ele não vale a pena gastar munição e argumentos. Que ele fique com sua pobreza de espírito. O que me incomoda é a incapacidade reiterada que vejo em tantos brasileiros de se dar conta do crime hediondo, do genocídio que foi a escravidão brasileira. Não creio que as ações afirmativas sejam o acerto com esse passado. Não há acerto possível com um passado tão abjeto e repulsivo, mas feliz é a Nação que reconhece a marca dos erros em sua história e trabalha para construir um futuro novo. Feliz a Nação que tem, entre seus fundadores, um Joaquim Nabuco, que nos aconselha a destruir a obra da escravidão.

Extraído de O Globo Economia Miriam Leitão

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quarta-feira, 3 de março de 2010

PGR e OAB em defesa da manutenção da política de cotas

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PGR e OAB defendem manutenção da política de cotas

Quarta-feira, 03 de Março de 2010
Notícias STF

Primeiros a defender posicionamento na audiência pública desta quarta-feira (3) sobre política de cotas raciais nas universidades federais, representantes da Procuradoria Geral da República (PGR) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apoiaram o sistema de cotas da forma como ele é adotado atualmente.

A vice-procuradora geral da República, Débora Duprat, fez uma apresentação sobre a história do entendimento de raça, passando pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa. Ao falar sobre a Constituição Federal de 1988, ela explicou que o texto reconhece exatamente o caráter plural da sociedade brasileira. Especificamente os artigos 215 e 216 tratam da cultura e dos diversos grupos formadores da sociedade, além de vários outros dispositivos que tratam da mulher, dos índios, das crianças, idosos, portadores de deficiência e grupos que historicamente tiveram seus direitos ignorados.

Para ela, o texto “recupera o espaço antológico da diferença”, pois a sociedade hegemônica confina os diferentes aos espaços privados. “Diferente do discurso que a política de cotas cria castas, ela inclui”, afirmou.

O representante do Conselho Federal da OAB, Miguel Ângelo Cançado, defendeu a mesma posição ao afirmar que as ações afirmativas como estão estabelecidas pela Universidade de Brasília, por exemplo, estão efetivamente de acordo com a Constituição Federal.

Ele citou ainda a Universidade Federal de Goiás (UFG), que implantou, com o apoio da OAB, o curso de Direito específico para os integrantes de assentamentos rurais no Brasil. Ele destacou a importância, relevância e constitucionalidade que a Ordem reconheceu quanto à existência daquele curso. “A OAB tem absoluta sinergia com os movimentos sociais e as reivindicações das minorias”, disse.

Cançado destacou também a importância da participação da sociedade nas decisões do STF que acontece por meio desses debates em audiência pública. Disse ainda que até pouco tempo o STF era conhecido apenas na comunidade jurídica, e hoje se abre para a sociedade.

CM//AM

Fonte: STJ




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