segunda-feira, 15 de junho de 2009

UERJ vai recorrer; alunos apoiam a direção

Uerj vai recorrer; alunos apoiam a direção

Enviado por Míriam Leitão - 26.5.2009 - 16h40m

Fui hoje à Uerj e lá o clima era de união para manter as cotas. Falei para uma plateia de cotistas e não cotistas e o clima geral era de susto pela decião da Justiça. A UERJ tentará reverter a liminar que suspendeu as cotas raciais. O DCE disse que concorda com a direção e a luta a favor das cotas.

A UERJ foi a primeira escola a adotar o sistema. Hoje, segundo professores com quem conversei, eles estão orgulhosos do desempenho dos cotistas e vão fazer uma ampla pesquisa para saber o resultado da política no mercado de trabalho. Eu fui lá para abrir a "V Amostra de Estágios".

O que eu vi hoje lá foi uma platéia cheia da bela diversidade do Brasil: pretos, brancos, pardos, meninos, meninas, moradores de áreas diferentes do Rio, juntos, integrados, debatendo sobre riscos e oportunidades do mercado de trabalho. Uma prova viva de que conviver juntos no mesmo espaço, em pé de igualdade é o melhor remédio contra as desigualdades raciais brasileira.

A liminar, explicou o reitor, Ricardo Vieiralves de Castro, suspendeu a aplicação de uma lei que tem oito anos e às vésperas do vestibular. Se não for cassada prejudicará os estudantes que se inscreveram pelo sistema de cotas. E uma medida liminar, como se sabe não pode provocar prejuizos irreversiveis.

Sei que este assunto é polêmico, mas tenho há anos a mesma posição favorável às cotas. Já escrevi muito sobre o assunto, não vou repetir os argumentos. Já ouvi e li muitos argumentos contrários. Não me convenceram. As cotas sozinhas não vão resolver as desigualdades racias, mas são uma das armas para nos ajudar a superar o problema. Não, não acho que elas vão "implantar" o racismo no Brasil, não se implanta o que já existe. E estou convencida - fiquei hoje ainda mais - que a convivência de pessoas diversas, de áreas diferentes da cidade e da sociedade, com histórias diversas cria uma chance de menos distância social no Brasil. Na universidade que estudei só havia brancos. A que vi hoje era mais bonita, tinha mais a cara do Brasil.

As empresas modernas sabem que os times mistos são mais eficientes, que a diversidade no quadro de funcionários aumenta a capacidade de resposta da empresa aos desafios. A Uerj está fazendo a parte dela, que o mercado de trabalha entenda os novos tempos e suas chances.
-

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Cotas de Talento

-
Cotas de Talento

29 de Dezembro de 2008

Almiro Sena*

No que a concerne ao argumento de sua inviabilidade prática, já que no Brasil ninguém seria branco ou negro, pois todos são mestiços, é importante assinalar que o racismo brasileiro não é genotípico, mas fenotípico, pois considera como elemento determinante, não a influência genética maior ou menor da ancestralidade africana ou européia, porém o conjunto de caracteres superficiais(fenótipo) de cada indivíduo. Ou seja, segundo analisado pelo Professor Olacy Nogueira no seu Livro: Preconceito de Marca: as relações raciais em Itapetininga, a discriminação racial, no Brasil, assenta-se na cor da pele, na textura do cabelo, no formato do nariz, na espessura dos lábios e semelhantes, definindo-se, segundo o etnocentrismo europeu predominante, o fenótipo branco como o “mais bonito”, “o melhor”, enfim, “o ideal”.

Dessa forma, independente da mestiçagem que, efetivamente, alcança quase toda a totalidade da população brasileira, decorrente, inclusive, da intensa miscigenação dos principais povos que contribuíram para a sua formação, no Brasil, as relações sociais são acentuadamente marcadas pela identidade étnico/racial, bastando observar-se, por exemplo, como o grupo branco, preferencialmente louro, ocupa, quase exclusivamente: a programação da mídia televisiva; os melhores empregos nas grandes lojas dos shoppings centers; os cargos, empregos e funções públicas de livre nomeação e exoneração; os empregos de comissários de bordo e pilotos nas companhias aéreas de aviação comercial e outros.

Por outro lado, basta verificar-se qual o fenótipo dos cidadãos que, comumente, são indevidamente, barrados por seguranças e porteiros dos condomínios de classe média alta, apesar de, não raro, serem moradores do local, impedidos de entrar em boites da moda ou parados e revistados, muitas vezes de maneira desrespeitosa, nas blitzs policiais. Sobre isto, inclusive, o Professor Jorge da Silva, coronel da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, ex-secretário de direitos humanos daquele Estado e doutor em Ciências Sociais pela UERJ, tem uma frase irônica e lapidar: “se houver dificuldade em saber quem é branco ou negro no Brasil, pergunta a polícia que ela sabe.”

No que refere a alegação de que as cotas étnico/raciais fomentariam o ódio racial, não se pode olvidar que argumento idêntico vem sendo usado, através dos tempos, por quase todos os integrantes das classes privilegiadas, em quase todas as partes do mundo, quando se coloca em pauta quaisquer medidas que, de alguma forma, beneficie os menos favorecidos. Isto é, para os integrantes do establishment, o direito de liberdade de expressão garantido aos súditos, o direito ao livre exercício de culto religioso pelo povo, os direitos trabalhistas assegurados ao empregado e a própria extinção do regime escravocrata, sempre representaram um “perigo” para a “paz social” e o “bom convívio entre os povos”, provocando, à época em que foram conquistados, intensa resistência por parte das elites locais, a exemplo do que ocorreu no Brasil, quando, na segunda metade do Século XIX, parlamentares, juristas e intelectuais brasileiros, sob a justificativa de defenderem os interesses nacionais, apregoavam a manutenção da escravidão, sustentando, como Peixoto de Brito em suas Considerações gerais sobre a emancipação dos escravos no Império do Brasil e indicações dos meios próprios para realizá-la, publicadas em 1870, que:

“Entre as graves questões que no Império do Brasil dependem de uma solução mais ou menos próxima, colocamos em primeiro lugar a da emancipação dos escravos, que caminhando rapidamente para o seu termo fatal, ameaça a existência do país com uma grande catástrofe, a qual somente pela adoção oportuna de medidas razoáveis e prudentes se poderá conjurar.”

Nesse aspecto e diante da falta de posicionamento de importantes e respeitáveis setores da sociedade brasileira em relação à política de cotas étnico/raciais na universidade, bem se aplica a reflexão, adiante transcrita, do célebre defensor dos direitos civis, o Pastor Martin Luther King Jr., feita em contestação a idéia, sustentada por muitos, durante o período das covardes e hediondas perseguições à população negra nos Estados Unidos, na década de 1960, de que a população negra norte-americana deveria comportar-se passivamente, pois do contrário, se houvesse enfrentamento aos criminosos racistas, aumentaria o ódio racial. Como disse o Dr. King:

“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem-caráter, nem dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons.”

Por fim, a alegação de que as cotas para negros diminuiriam o nível acadêmico das universidades, como sempre ocorre com toda argumentação preconcebida, embasada tão somente na visão estereotipada e elitista acerca do outro, revelou-se, na prática, totalmente equivocada, vez que o desempenho dos alunos cotistas, segundo estudos realizados nos cursos de graduação que os acolheram, encontra-se sendo tão bom ou melhor do que os alunos não-cotistas destes mesmos cursos, conforme demonstrado nas instituições a seguir assinaladas.

Avaliação Acadêmica dos Estudantes Cotistas

Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, onde o sistema de cotas, implantado há cerca de cinco anos, contempla hoje 40% dos estudantes da instituição, segundo notícia do site Disponível em
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/05/13/materia (Acesso dia 2008-05-13), a subsecretária da Reitoria, Lená Medeiros informa que o desempenho dos alunos cotistas e não-cotistas, a despeito dos empecilhos financeiros bem maiores enfrentados pelos primeiros, é muito semelhante, apresentando, em todos os cursos, idênticas dificuldades e idênticos aspectos positivos.

Na Universidade Estadual de Londrina – UEL, segundo o site Disponível em
http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed116/so_no_site_reportagem.aspa (Acesso dia 2008-05-13) da Revista “Caros Amigos”, dos 14 mil alunos da graduação, 2.684 são cotistas e 626 negros, reservando-se 40% das vagas para quem estudou as quatro últimas séries do ensino fundamental e todo o ensino médio na escola pública, aferindo-se, segundo levantamento da própria universidade, que as médias dos cotistas e não-cotistas são muito semelhantes.

Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), também de acordo com o site Disponível em
http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed116/so_no_site_reportagem.aspa (Acesso dia 2008-05-13) da Revista “Caros Amigos”, 45% das vagas são reservadas a estudantes de escolas públicas - 85% deles pretos ou pardos, constatando-se, na avaliação de desempenho das primeiras turmas, em 2005, que as médias dos cotistas são iguais ou superiores em mais da metade dos cursos, inclusive nos de alta demanda.

Os exemplos poderiam continuar, pois das 31 universidades estaduais e federais que, segundo levantamento da Revista Caros Amigos, atualmente (texto de dezembro de 2008. Hoje, em junho de 2009, temos 54 Universidades que adotaram o sistema), possui algum tipo de ação afirmativa, em praticamente todas, o desempenho dos alunos cotistas é igual ou superior ao dos não-cotistas.

Dessa forma que mais assusta é justamente isto. É, apesar de todas as provas, das várias demonstrações de que o sistema de cotas tem sido um instrumento fundamental na concessão de oportunidades a quem, mesmo sendo possuidor da qualificação necessária, era injustamente excluído, perceber-se que os maiores adversários dessa ação afirmativa desconsideram todas essas evidências e insistem na sua cantilena desprovida de qualquer embasamento verdadeiro.

Acreditemos, contudo na capacidade do ser humano de superar a si mesmo, derrotando, definitivamente, seus conceitos equivocados e seus preconceitos estúpidos, afinal, como nos legou um dos maiores defensores dos direitos humanos e das ações afirmativas, já citado acima, o Dr. Martin Luther King:

Nós não somos o que gostaríamos de ser. Nós não somos o que ainda iremos ser. Mas, graças a Deus, não somos mais quem nós éramos.

* Almiro Sena é Promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia, Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate à Discriminação, Representante do MP-BA no Conselho Estadual de Direitos Humanos e Mestrando em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social pela Faculdade Visconde de Cairú.

http://www.bahianoticias.com.br/noticias/artigos/2008/12/29/147,cotas-de-talento.html

recebido de Valdo Lumumba - negrodeluz@yahoo.com.br

-

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Serra encaminha projeto para punir discriminação racial

Serra encaminha projeto para punir discriminação racial

Qui, 04 Jun, 07h27
Agência Estado


O governo de São Paulo encaminhou hoje à Assembleia Legislativa um projeto de lei para punir a discriminação racial no Estado. A tramitação da proposta deve levar cerca de três meses, prevê o secretário da Justiça, Luiz Antonio Marrey. Se aprovada a lei, quem intimidar, constranger ou agredir alguém por razões de raça ou cor ficará sujeito a multa de até R$ 140 mil. Companhias e estabelecimentos comerciais terão de pagar multa e correm o risco de ter a licença de funcionamento suspensa. A regra vale para pessoas, empresas e funcionários públicos.

A apresentação do projeto foi feita na tarde de hoje no Palácio dos Bandeirantes, com a presença de integrantes do movimento negro e de comunidades quilombolas. Emocionada, a presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, Elisa Rodrigues, agradeceu a iniciativa. "Hoje estamos escrevendo parte da nossa história." O governador José Serra (PSDB), autor do projeto de lei, classificou as sanções previstas como um "exemplo intimidatório" a quem discrimina.

O projeto prevê sanções para casos de preconceito no ambiente do trabalho, em condomínios, no transporte coletivo, hotéis, unidades de saúde, ambientes culturais e em meios de comunicação. De acordo com a proposta, as denúncias de discriminação devem ser feitas à Secretaria de Estado da Justiça pelo ofendido, seu advogado ou qualquer pessoa que saiba do ocorrido. O órgão vai instaurar, então, um processo administrativo para apurar o caso e punir os responsáveis. Quando houver crime, como agressão física, a secretaria vai trabalhar em conjunto com a Polícia Militar. O processo administrativo pode fundamentar ainda uma ação na Justiça.

Quilombolas

Serra entregou, durante a cerimônia, títulos de reconhecimento a duas comunidades quilombolas de Barra do Turvo, município da região do Vale do Ribeira. Com o documento, essas populações rurais passam a receber benefícios sociais do Estado, como moradia de alvenaria, posto de saúde, escola e infraestrutura. Os descendentes de quilombolas recebem ainda assistência técnica para suas atividades agrícolas. E passam a ter, definitivamente, a posse do território em que vivem.

O Estado abriga hoje 24 comunidades quilombolas, onde vivem cerca de 6 mil pessoas. Dezoito delas ficam no Vale do Ribeira. Segundo o diretor da Fundação Instituto de Terras (Itesp), Gustavo Ungaro, há outras 20 áreas apontadas como de remanescentes de quilombolas no Estado, mas ainda não reconhecidas. Atualmente estão em processo de reconhecimento seis comunidades, uma delas na capital.

extraído de:

recebido de Diva Moreira - divamorbr@yahoo.com.br
-

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Grande mídia contra as ações afirmativas

A grande mídia contra as ações afirmativas

Por Fernando Conceição*

em 2/6/2009

O que o Estado Democrático de Direito, o que o republicanismo, o que o interesse público podem esperar quando se alinham, em uníssono à maneira de campanha, três conglomerados de comunicação que, no Brasil, são os proprietários privados dos mais influentes veículos da imprensa nacional? Uma única coisa: o abuso do direito constitucional à liberdade de expressão e de opinião. A coação dos demais poderes institucionais. O desrespeito ao princípio de igualdade de oportunidade, cerne da democracia.

Pois é exatamente o que a sociedade brasileira assiste hoje, estupefata, com a sórdida manipulação encampada pela Rede Globo, Grupo Folha e Editora Abril - respectivamente donos da TV aberta de maior audiência, com suas filiadas em todo o território brasileiro, controladores da TV por assinatura, de O Globo, de emissoras de rádio; dos jornais Folha de S. Paulo e Valor Econômico, do poderoso portal UOL; da maior e mais potente revista noticiosa semanal, Veja, e de vários outros tentáculos midiáticos articulados entre si.

Cotas são o inferno

Esse poderosíssimo Leviatã apresenta-se na atual conjuntura como o sucedâneo do Leviatã hobbesiano. O propósito do monstro é amedrontar a sociedade repetindo insaciável, incontinenti e monocordiamente que o Inferno em breve se instalará no Brasil. Incansavelmente a Rede Globo, a Folha e Veja anunciam que isso já tem hora e data marcada.

O Brasil será transformado no reino de Lúcifer a partir do momento em que deputados e senadores em Brasília votem pela aprovação de dois projetos que tramitam no Congresso Nacional, um deles há mais de decênio: o Estatuto da Igualdade Racial (projeto de lei 6564/05, do senador Paulo Paim, PT), e o projeto de lei 73/99 (da deputada Nice Lobão, DEM) incorporado ao projeto de lei 3.627/2004, do governo federal. Ambos estabelecem, pela primeira vez no país, um sistema de políticas sociais compensatórias, inclusive de acesso às universidades públicas federais, como forma de corrigir as profundas desigualdades repercutidas até hoje pelos mais de 300 anos de escravidão negra e indígena que marcam a história socioeconômica brasileira.

A grande mídia simplifica tais políticas compensatórias, rotulando-as como projeto de cotas "raciais". Isso tem reduzido a abrangência daquelas proposições e tornado irracional o debate. A questão de "raça" é posta no primeiro plano, em uma sociedade que custa a acreditar na existência do racismo em suas relações cotidianas e institucionais. Um povo que acredita, a despeito do desmascaramento do mito, ser o Brasil uma "democracia racial", mercê de todos os mais respeitáveis dados e índices de medição da estrutura demográfica afirmarem sempre o contrário. A sociedade brasileira é cingida por uma forte persistência da herança escravocrata, que atinge "pretos" e "pardos" (na definição do IBGE), colocando-os como grupo nas piores posições da pirâmide sócio-econômica.

Racismo como ideologia

Não são os propositores daqueles projetos de lei que inventaram a noção de "raça" como fator de identidade atribuída às pessoas de acordo com seus papéis e o lugar social por elas ocupado na formação da sociedade brasileira.

"Raça" sempre foi utilizada pelos "senhores da terra", desde o nascedouro da empreitada colonial nas Américas, como traço distintivo. Aos africanos, trazidos como escravos para todos os gêneros de labuta, foi-lhes pregada a definição de "negros" como marca de um tipo de animal racialmente inferior aos demais humanos. Não importaram as suas diferenciações culturais, ou étnicas, tampouco as suas tradições de origem. Todos são (ou eram) da "raça" negra, consequentemente podendo ser escravos pelo estatuto do ordenamento jurídico da Colônia e do Império. O racismo foi uma das ferramentas ideológicas de organização da exploração colonial. A República não solucionou, até o presente, essa equação.

Qual patriota - e a pátria, já disse alguém, é o último refúgio dos canalhas - quer ver seu país "pegar fogo", ter a sua "harmoniosa" população "separada" entre "brancos" (no Brasil identificados como rico ou doutor) e "negros" (sempre suspeitos e vilões)? Quem quer ver a "paz" que hoje reina, como antanho, desde o princípio do escravismo colonial, quem quer todas essas nossas tradições de cordialidade (no fundo perversas) perdidas por conta da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e do projeto 3.627?

Nessa tecla batem, de forma orquestrada e combinada, os grandes conglomerados de mídia. Com seus impressos, telejornais, experts em antropologia social, rádios, internet, publicações, almejam influenciar - e muito - os humores e a disposição da opinião pública, isto é, dos brasileiros formadores de opinião e dos eleitores.

Sem-precedentes a não ser no abolicionismo

O Estatuto e o outro projeto de lei seriam obra demoníaca (ou stalinista?). Permitir que congressistas tenham o livre-arbítrio de votar abalizados por razões éticas, de senso de justiça, de consciência histórica dos horrores que até hoje vigem da discriminação negativa contra os negros, isto a Rede Globo, a Folha de S. Paulo e a Veja simplesmente não querem aceitar. Portanto, mobilizam-se, com poucos precedentes similares nos debates legislativos, para derrotar aquelas proposições. Reeditam dessa forma, 130 anos depois, a mesma tipologia das paixões verificadas durante a árdua luta que resultou na abolição da escravatura no país.

Todos os artigos, todas as matérias, todos os editoriais veiculados direcionam-se a semear o pânico e a disseminar a idéia de que assim procede a mídia em defesa da unidade e do bem nacionais. Todas as reportagens ou entrevistas são produzidas e editadas de forma a referendar essa tese.

O método é simples e corriqueiro. Para disfarçar o flagrante desrespeito às regras básicas do jornalismo em sociedades abertas (deve-se dar voz a todas as opiniões), esses grandes veículos usam a fórmula 10 para 1. Dão espaço e peso diferenciados aos que são contrários àqueles projetos e ao demais. Este, já que favorável, tem a sua opinião, posta no contexto das outras contrárias, com um enquadramento que remete ao bizarro, ao fora de propósito. Vira exotismo defender políticas compensatórias para os descendentes de escravos no Brasil, que são a esmagadora maioria dos pobres e miseráveis.

Interesses anti-sociais das empresas

Rede Globo e seu noticioso carro-chefe, o Jornal Nacional - já classificado por seu editor como produto dirigido a gente de mentalidade de Homer Simpson -, Veja e Folha de S.Paulo querem convencer os formadores de opinião, eleitores e seus representados no Congresso Nacional de que essas empresas privadas (ou seja, Globo, Folha e Abril, assim como os seguidores de tal ideário) defendem nessa campanha o que é melhor para "o país". No entanto, os formadores de opinião, e principalmente os atuais detentores de mandatos parlamentares, deveriam atentar para a seguinte obviedade escamoteada nesse debate: Rede Globo, Folha e Editora Abril são crias alimentadas pela última ditadura militar que destruiu a democracia, prendeu, torturou, matou e fechou, por consequência, esse mesmo Congresso Nacional. Perseguiu e cassou mandatos de parlamentares e tantos outros líderes sociais e políticos não-adesistas.

Entre os sombrios anos 1960 ao ocaso dos anos 1980, a maior parte do tempo foram conflitantes e até mesmo opostos os interesses republicanos e os interesses dessa hoje tríplice-aliança. Essas empresas se fortaleceram, se beneficiaram e se consolidaram, cada uma ao seu modo, pelas facilitações que o regime militar lhes proporcionou. Apoiaram abertamente ou foram coniventes em algumas fases com aquela ditadura.

Sobre a Globo há vasto corpus documental a respeito, dentro dele a existência de uma CPI. Carlos Guilherme Mota e Maria Helena Capelato (1980) registraram em História da Folha de S. Paulo: 1921- 1981 a estratégia de posicionamento político que fez este jornal jamais ter sofrido sequer de leve os abusos ditatoriais infligidos ao seu concorrente local, O Estado de S.Paulo. A Editora Abril sempre flertou com a cúpula do sistema, tendo em Golbery do Couto e Silva um dos seus referenciais de conduta e em Antonio Carlos Magalhães um dos seus queridinhos.

Dourando a pílula do comprometimento

A Folha buscou se redimir, a partir dos tempos de Claudio Abramo e mais ainda com Boris Casoy, na memorável campanha das Diretas-Já, que na primeira metade da década de 1980 exigia nas ruas o retorno ao Estado de Direito, com o estabelecimento de eleições livres para a Presidência da República. Naquela vez, Folha, Veja e Globo ficaram em campos diferenciados.

A vontade da poderosíssima Globo no período todos nós conhecemos. Se opôs tenazmente a que o povo brasileiro readquirisse a sua soberania por meio do voto. Ignorou ou mentiu, seguindo um padrão jornalístico de obediência à linha-dura do regime à qual serviu o tempo todo com denodo, demonizando os adversários.

Provas ainda piores de que a Globo, quando quer, é o reino da perversão dos interesses cidadãos estão nos anais da história brasileira recente em dois escandalosos episódios. O que ficou conhecido como "Caso Globo/Proconsult" e o debate final da campanha eleitoral de 1989, entre Lula e Fernando Collor. No primeiro, a Globo foi pega de calças curtas na sua ignóbil tentativa de manipular contra Leonel Brizola o resultado da eleição para governador do Rio de Janeiro, em 1982. No segundo, a exibição no Jornal Nacional da edição do debate, beneficiando a performance de Collor, até hoje é estudada como um case do histórico de abuso de poder que essa rede televisiva possui.

Nesse segundo episódio, o então todo-poderoso diretor da Central Globo de Jornalismo, Armando Nogueira, teve pruridos de hombridade, foi ao cacique Roberto Marinho e apresentou sua demissão do cargo. Vemos a confissão envergonhada dele para o teledocumentário Beyond Citizen Kane (Simon Hartog, 1993), que a Globo judicialmente censurou, impedindo sua exibição em todo o território brasileiro.

Um histórico de sujeiras

Esse documentário (assista aqui), que circulou em cópias piratas, é um consistente trabalho jornalístico da TV britânica, mostrando os tentáculos do império de Roberto Marinho e suas ramificações no comando do poder político nacional. Permitir a sua difusão à época seria contrária à estratégia que com o retorno da democracia a Globo traçou, visando apagar da memória o seu passado macbethiano.

Foi nesse vácuo, por exemplo, que alguma programação da emissora, como o Fantástico, até se deu ao luxo de exibir uma reportagem sobre o nascente Movimento Pelas Reparações dos Afrodescentente, enfocando o surgimento no Brasil de uma articulação social por políticas compensatórias de ação afirmativa.

Entretanto, pruridos iguais ao de Nogueira hoje não possui Ali Kamel. Este profissional, agora à frente do Jornalismo da TV Globo, é um dos comandantes do ataque sem trégua ao Estatuto da Igualdade Racial e ao Projeto de Lei do Executivo. Age de cima de um armamento pesado de artilharia, muito além do que poderiam vis mortais, como o autor dessas mal-traçadas linhas, desprovidos estes do instrumental fabuloso que são os comandos da TV Globo, da Veja, da Folha de S.Paulo. Nem um desses veículos abre espaço e tempo equitativos para o exercício de opinião contrária às suas neste tema. Seus colunistas e articulistas, com raras exceções de um Elio Gaspari, têm todos não-surpreendentemente o mesmo ponto de vista de quem lhes paga salários e bônus.

Trapaça e covardia no debate

Não há em toda a grande mídia brasileira um único articulista ou comentarista negro comprometido com a luta anti-racista contratualmente assegurado para, de forma regular, emitir sua opinião nesses veículos. Mesmo o limitado espaço da seção "Tendências/Debates" da página 3 da Folha, ou o seu suplemento "Mais!", nos últimos oito anos têm sistematicamente rejeitado colaborações contestadoras à sua tese. Não faltam pessoas com esse ponto de vista capacitadas para publicar na Folha, e uma lista de intelectuais comprometidos na luta por ações afirmativas foi entregue à Secretaria de Redação desse veículo por uma representação do Movimento Negro há mais de três anos, em visita àquele jornal. Certamente a lista foi para o lixo.

Diante de tão avassaladora campanha "cívica", mentalidades conservacionistas do establishment sentem-se agora encorajadas a bradar as suas posições contra as mudanças institucionais previstas por aqueles dois projetos de lei. Vêem-se estimuladas essas vozes porque sabem poder contar com a tutela dos grandes veículos de comunicação. Não temem, neste momento, a reação adversa das ruas. Porque as ruas estão desmobilizadas pela insuficiência das forças sociais que, sabedoras da justeza política das ações compensatórias aos estratos sempre excluídos (por razões históricas), acham-se órfãs do poder belicoso dos que possuem o controle da grande mídia.

Ouso dizer que por trás de todo esse poder esconde-se a prepotência dos covardes. Em breve eles também pressionarão os integrantes do Supremo Tribunal Federal, quando a matéria for ali analisada.

É esta covardia da Globo, da Veja e da Folha que interdita o nosso acesso equânime aos seus tempos e espaços. Ali Kamel jamais nos convidaria para um debate desarmado, ainda que em ambiente por ele dominado, em qualquer um dos seus jornalísticos ou talk shows cuja edição seja honesta. Otavio Frias Filho, para cujo jornal muitas vezes no passado escrevi, tendo dois textos meus reeditados em coletâneas organizadas pela Publifolha - e a partir dos quais produzi minha tese de doutorado - não me ofereceria em sua Folha um lugar de articulista frequente em contraponto ao seu pensamento. E Veja, para estampar uma "página-amarela" que fosse, somente se eu "revelasse" que Lúcifer não existe no além, Lúcifer é a "alcunha" de Luiz Inácio Lula da Silva.

Como as coisas assim não se darão, ou os defensores e interessados pela democratização verdadeira das relações sociais no Brasil retomam aguerridamente a sua militância, pressionam os parlamentares, ganham as ruas e outros espaços de cidadania; ou, então... adeus às mudanças.

***

P.S . - Uma nota adicional. Comecei a redigir este artigo em Madri, Espanha. Estou na Europa há oito meses como bolsista de pós-doutorado da Capes no Lateinamerika Institut da Freie Universität Berlim, verificando a presença e influência do geógrafo Milton Santos no debate intelectual em países europeus, subsídio para escrever a biografia autorizada dele. Dia desses tive de me deslocar em ônibus para Salamanca. Ao desembarcar na estação, à porta do veículo vieram me recepcionar três homens que se identificaram como agentes da polícia local. Eu era o único negro entre os demais passageiros e não estava chegando ao país naquele momento. Fui o único detido e submetido aos olhares suspeitosos dos demais.

Não se tratava de agentes da Imigração. Eram policiais comuns à paisana, que me levaram a um cubículo, me retiraram os documentos e remexeram minha mochila, cheia de livros - para a surpresa confessa deles - e folhearam meu passaporte com comentários jocosos sobre o número de viagens marcado por vários vistos ali apostos. Telefonaram para sei lá quem, ditando meus nome e sobrenome. Depois do vexame e do constrangimento, permitiram que eu fosse encontrar com um acadêmico da universidade local, estudioso da obra do brasileiro. A essa altura eu já tinha perdido meu humor.

Registro aqui o fato para ilustrar uma simples verdade, que se tenta escamotear: é muito fácil, para os prepostos do poder (público ou privado) saber quem é negro. Afirmo em resposta à questão bizantina levantada pelos inimigos das cotas. No Brasil, episódios como esse são banais. Na Europa frequentemente ocorrem. A cor da pele subsiste como valor de distinção, de discriminação e preconceito. Gostemos ou não, esses são os fatos.

*Jornalista, professor da Universidade Federal da Bahia, doutor em Ciências da Comunicação pela USP. Criou o Etnomidia – Grupo de Estudos em Mídia e Etnicidades da Faculdade de Comunicação da UFBA, e coordena o Grupo de Pesquisa Permanecer Milton Santos do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade/CNPq

Fonte: Observatório da Imprensa

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=540JDB003

recebido de Dep. Jose Candido/GAB/ALESP em 03/06/2009 - jcandido@al.sp.gov.br

foto de
http://gramaticadaira.blogspot.com/2008/04/evoluo-hip-hop-fernando-conceio.html
-

As cotas desmentiram as urucubacas

-
As cotas desmentiram as urucubacas
03-Jun-2009
Elio Gaspari - FOLHA DE S. PAULO

Os negros desorganizariam as universidades, como a Abolição destruiria a economia brasileira

QUEM ACOMPANHASSE os debates na Câmara dos Deputados em 1884 poderia ouvir a leitura de uma moção de fazendeiros do Rio de Janeiro:

"Ninguém no Brasil sustenta a escravidão pela escravidão, mas não há um só brasileiro que não se oponha aos perigos da desorganização do atual sistema de trabalho."

Livres os negros, as cidades seriam invadidas por "turbas ignaras", "gente refratária ao trabalho e ávida de ociosidade". A produção seria destruída e a segurança das famílias estaria ameaçada.

Veio a Abolição, o Apocalipse ficou para depois e o Brasil melhorou (ou será que alguém duvida?).

Passados dez anos do início do debate em torno das ações afirmativas e do recurso às cotas para facilitar o acesso dos negros às universidades públicas brasileiras, felizmente é possível conferir a consistência dos argumentos apresentados contra essa iniciativa.

De saída, veio a advertência de que as cotas exacerbariam a questão racial. Essa ameaça vai completar 18 anos e não se registraram casos significativos de exacerbação. Há cerca de 500 mandados de segurança no Judiciário, mas isso nada mais é que a livre disputa pelo direito.

Num curso paralelo veio a mandinga do não-vai-pegar. Hoje há em torno de 60 universidades públicas com sistemas de acesso orientados por cotas e nos últimos cinco anos já se diplomaram cerca de 10 mil jovens beneficiados pela iniciativa.

Havia outro argumento: sem preparo e sem recursos para se manter, os negros entrariam nas universidades, não conseguiriam acompanhar as aulas, desorganizariam os cursos e acabariam deixando as escolas.

Entre 2003 e 2007 a evasão entre os cotistas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi de 13%. No universo dos não cotistas, esse índice foi de 17%.

Quanto ao aproveitamento, na UERJ, os estudantes que entraram pelas cotas em 2003 conseguiram um desempenho pouco superior aos demais. Na Federal da Bahia, em 2005, os cotistas conseguiram rendimento igual ou melhor que os não cotistas em 32 dos 57 cursos. Em 11 dos 18 cursos de maior concorrência, os cotistas desempenharam-se melhor em 61 % das áreas.

De todas as mandingas lançadas contra as cotas, a mais cruel foi a que levantou o perigo da discriminação, pelos colegas, contra os cotistas.

Caso de pura transferência de preconceito. Não há notícia de tensões nos campus. Mesmo assim, seria ingenuidade acreditar que os negros não receberam olhares atravessados. Tudo bem, mas entraram para as universidades sustentadas pelo dinheiro público.


Tanto Michelle Obama quanto Sonia Sotomayor, uma filha de imigrantes portorriquenhos nomeada para a Suprema Corte, lembram até hoje dos olhares atravessados que receberam ao entrar na Universidade de Princeton. Michelle tratou do assunto em seu trabalho de conclusão do curso. Ela não conseguiu a matrícula por conta de cotas, mas pela prática de ações afirmativas, iniciada em 1964. Logo na universidade onde, em 1939, Radcliffe Heermance, seu poderoso diretor de admissões de 1922 a 1950, disse a um estudante negro admitido acidentalmente que aquela escola não era lugar para ele, pois "um estudante de cor será mais feliz num ambiente com outros de sua raça". Na carta em que escreveu isso, o doutor explicou que nem ele nem a universidade eram racistas.

extraído de
http://www.educacionista.org.br/jornal/index.php?option=com_content&task=view&id=3133&Itemid=43

recebido de Ras Adauto ras.adauto@gmx.de