segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Blog Nota 10. Seleção até 15 de janeiro.

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A Revista África e Africanidades está promovendo um concurso que selecionará os melhores Blogs do Brasil, Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

Com a chamada “Você possui um blog que valoriza e divulga os aspectos artísticos, históricos e culturais da população negra?”, o concurso vai selecionar os três (3) melhores Blogs em duas categorias:
  • “Blog Nota 10 – África e Africanidades”
  • “Blog do Professor Nota 10 África e Africanidades”
Poderão se inscrever blogs em duas categorias, a saber:
  • Blog de pessoas físicas dos seguintes países: Brasil, Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe
  • Blog de professores da educação básica em todo o território brasileiro
As inscrições , iniciadas em 15 de outubro de 2009, ficam abertas até 15 de janeiro de 2010. Para se inscrever, o responsável pelo blog deve enviar um e-mail para promocoes@africaeafricanidades.com com a ficha de inscrição preenchida.

Clique sobre o nome para acessar:

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Lei de cotas é constitucional, "como queríamos demonstrar"

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Lei de cotas para universidades é declarada constitucional

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio declarou nesta quarta-feira, dia 18, que a lei estadual 5.346/2008, que instituiu o sistema de cotas para ingresso nas universidades estaduais, é constitucional.

Por maioria de votos, os desembargadores acompanharam a posição do desembargador Sergio Cavalieri, relator da ação direta de inconstitucionalidade, para quem a norma aprovada pela Assembléia Legislativa não fere o princípio da igualdade.

A lei, que entrou em vigor em dezembro de 2008, beneficia estudantes carentes negros, indígenas, alunos da rede pública de ensino, portadores de deficiência física e filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço. Seu prazo de validade é de 10 anos.

A ação, com pedido de liminar, fora proposta pelo deputado estadual Flavio Bolsonaro. Em maio deste ano, ao examinar o pedido de liminar, o Tribunal de Justiça suspendeu os efeitos da lei. No mês seguinte, diante de uma questão de ordem suscitada pelo Governo do Estado, e para evitar prejuízos aos estudantes que já estavam inscritos nos vestibulares deste ano, os desembargadores decidiram que a suspensão entraria em vigor a partir de 2010.

Nesta quarta-feira (18 de novembro de 2009), ao julgar o mérito da ação, o desembargador Sergio Cavalieri - que participou de sua última sessão no Órgão Especial em razão de sua aposentadoria - adotou em seu voto os pareceres da Procuradoria Geral do Estado e da Procuradoria de Justiça em favor da constitucionalidade da lei.

Segundo o desembargador, a “igualdade só pode ser verificada entre pessoas que se encontram em situação semelhante”. E emendou: “Há grupos minoritários e hipossuficientes que precisam de tratamento especial. Se assim não for, o princípio da isonomia vai ser uma fantasia”.

Ainda de acordo com o relator, não há igualdade formal sem igualdade material. Ele defendeu que ações afirmativas como as cotas e a reforma do ensino básico não são medidas antagônicas e classificou de simplista a afirmação de que a política de cotas fomentaria a separação racial.

Processo nº 2009.007.00009
Fonte: TJRJ

Extraído de Lion & Advogados Associados

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Cotistas permanecem e têm bom desempenho

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Cotistas permanecem nas universidades e têm bom desempenho

Luisa Torreão, do A TARDE 20/11/2009 às 00:46

O estudante negro cotista não só tem permanecido na faculdade como tem demonstrado desempenho igual – ou superior – aos demais alunos. Isso é o que mostram os dados da Universidade Federal da Bahia (UFBA), divulgados no mês passado, pelo Serviço de Seleção, Orientação e Avaliação, em referência à primeira turma ingressa pelo sistema de ações afirmativas, em 2005.
Ainda sem números concretos, uma pesquisa da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em andamento há um ano, antecipa conclusões similares, cujo resultado deve sair em março. “As taxas de evasão dos cotistas são relativamente menores e o desempenho é bastante semelhante. Há casos, nas ciências humanas, acima da média”, atesta Wilson Mattos, pró-reitor de pós-graduação.

Na UFBA, entre estudantes na faixa mais alta (7,6 a 10), cotistas apresentaram notas melhores em cursos como ciências da computação, engenharia elétrica, química, fonoaudiologia, enfermagem, farmácia e comunicação. Em medicina, há uma diferença: no 9º semestre da turma de 2005, 86,7% dos cotistas tiveram desempenho entre 7,6 e 10, perante 91,7% dos não-cotistas.

Quando o assunto é reprovação por falta, não é diferente. Em engenharia elétrica, apenas foi reprovado 0,19% dos cotistas, contra 2,71% dos demais. Em comunicação, perderam 9,48% dos que entraram por cotas e 11,21% do restante. Só em medicina, foi reprovado 1,19% dos cotistas, diante de apenas 0,17% dos não-cotistas.

Em nove cursos de prestígio (entre eles arquitetura, engenharia e direito), a taxa de jubilamento de cotistas foi zero. “O argumento de que o cotista abandonaria não tem consistência analítica”, diz o Jocélio Teles, pesquisador do Centro de Estudos Afro-Orientais e coordenador do Fórum Interinstitucional em Defesa das Ações Afirmativas. “Os dados são positivos e mostram que a adoção de cotas promoveu a democratização do ensino, sem perda de qualidade”, analisa Teles.

O reitor Naomar de Almeida diz que a qualidade da UFBA cresce: “Começamos a dar uma virada. A mudança no perfil do alunado trouxe a diversidade”.

Fonte Jornal A Tarde
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terça-feira, 27 de outubro de 2009

É necessária uma nova Abolição?

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AÇÃO AFIRMATIVA


É necessária uma nova Abolição?

Por Muniz Sodré
em 27/10/2009

Há uma questão atravessada na garganta de grupos empenhados na defesa das políticas afirmativas da cidadania negra. Trata-se de saber por que os jornalões (nome talvez mais palatável do que "grande mídia impressa") brasileiros não dão voz alguma a quem se manifesta favorável a medidas como a instituição das cotas ou ao Estatuto da Igualdade Racial. Como bem se sabe, esses jornais vêm dando largo espaço a jornalistas e intelectuais decididos a demonstrar que as ações afirmativas constituem uma nova forma de racismo, já que raça não existe e, ademais, como a população brasileira é predominantemente miscigenada, todos os nossos concidadãos teriam a sua cota de negritude. Logo, não faria qualquer sentido ficar procurando saber quem é negro ou branco para proteger o primeiro.

Foi essa a questão debatida nos dias 14 e 15 de outubro, durante o seminário "Comunicação e Ação Afirmativa: o papel da mídia no debate sobre igualdade racial", realizado na Associação Brasileira de Imprensa por entidades como Comdedine, Cojira e Seppir. É bem sabido que há vozes discordantes das opiniões oficiais dos jornalões, por parte de jornalistas de peso, alguns dos quais pertencentes aos quadros desses mesmos jornais. É o caso de Elio Gaspari, Miriam Leitão e Ancelmo Gois. Estes dois últimos, aliás, foram palestrantes no seminário.

Uma instituição retrógrada

Na mesa sobre "a responsabilidade social da mídia e o debate sobre raça" – que dividi com a jornalista Márcia Neder, da revista Claudia –, comecei afirmando que há certas visibilidades que nos cegam. O sol, por exemplo, se tornado excessivamente visível (olhado de frente), nos impede de enxergar. Mas há também objetos sociais que, se tornados visíveis demais, podem bloquear a visão de quem antes acreditava ver. Parece-me ser este o dilema da cor, do fenótipo escuro, na atualidade brasileira, onde vislumbro um caso de cegueira cognitiva.

De fato, a questão vem sendo tratada como ser pró ou contra o racialismo. A maioria dos favoráveis a propostas como o Estatuto da Igualdade Racial, cotas para universitários etc., lastreia os seus argumentos com as razões do anti-racismo; os desfavoráveis, embora reconhecendo a existência episódica e anacrônica de incidentes racistas, tentam fazer crer que vivemos no melhor dos mundos em termos de conciliação das diferenças étnicas e que seria, portanto, um retrocesso civilizatório racializar a população. Curioso é que esses mesmos argumentos desfavoráveis, sem que seus autores se dêem conta, são racialistas em última análise, ao apelarem para as noções de miscigenação biológica.

Por outro lado, de modo geral, todos se habituaram a pensar na escravidão ora como uma mácula humanitária, ora como um anacronismo, uma instituição retrógrada na história do progresso. Vale, entretanto, apresentar uma opinião de outro matiz, a de Alberto Torres, autor de O Problema Nacional Brasileiro. Foi um dos grandes explicadores do Brasil entre o final do século 19 e início do 20.

A saudade do escravo

Conservador em termos sociais (refratário à urbanização e à industrialização), propugnador de uma República autoritária, Torres revela-se, entretanto, interessante em termos metodológicos e teóricos. Diz em seu livro que "a escravidão foi uma das poucas coisas com visos de organização que este país jamais possuiu. (...) Social e economicamente, a escravidão deu-nos, por longos anos, todo o esforço e toda a ordem que então possuíamos e fundou toda a produção material que ainda temos".

Torres era, insisto, autoritário e conservador. Gerou epígonos como Oliveira Vianna, esse mesmo que chegou a justificar em sua obra o extermínio do "íncola inútil", isto é, do habitante das regiões empobrecidas do país. Era, entretanto, um conservador diferente: discordava das teses sobre a inferioridade racial do brasileiro, não era racista. Sua frase sobre a escravidão é algo a ser ponderado, principalmente quando cotejada com o dito de Joaquim Nabuco: "A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. (...) Ela envolveu-me como uma carícia muda toda a minha infância" (Minha Formação).

É célebre essa passagem sobre a memória afetiva da escravidão – a saudade do escravo. Ela é a superfície psicológica do fato histórico-econômico de que as bases da organização nacional foram dadas pelo escravismo. Por isso, vale perguntar que apreensão os brasileiros fazem desse fato, pouco mais de um século depois da Abolição.

Perpétuos cães de guarda

Alguns pontos devem ser considerados:

1. A palavra "apreensão" não diz respeito a concepções intelectuais, e sim, à incorporação emocional ou afetiva do fenômeno em questão. No interior de uma forma social determinada, nós apreendemos por consciência e por hábito o seu ethos, isto é, a sua atmosfera sensível que nos diz, desde a nossa mais tenra infância, o que aceitar e o que rejeitar.

2. A reinterpretação afetiva da "saudade do escravo", que envolve (a) as relações com empregadas domésticas e babás (sucedâneas das amas-de-leite); (b) o afrodescendente como objeto de ciência (para sociólogos e antropólogos); (c) imagens pasteurizadas da cidadania negra na mídia.

Diferentemente da discriminação do Outro ou do racismo puro e simples, a saudade do escravo é algo que se inscreve na forma social predominante como um padrão subconsciente, sem justificativas racionais ou doutrinárias, mas como o sentimento – decorrente de uma forma social ainda não isenta do escravagismo – de que os lugares do socius já foram ancestralmente distribuídos. Cada macaco em seu galho: eu aqui, o outro ali. A cor clara é, desde o nascimento, uma vantagem patrimonial que não deve ser deslocada. Por que mexer com o que se eterniza como natureza?

Nada, portanto, da velha grosseria racista, da velha sentença de "pão, pano e pau" proferida pelo padre Antonil a propósito dos negros. Não há mais lugar histórico para o "pau" desde a Abolição, ou melhor, desde a Lei Caó. O argumento explicitamente racista não leva ninguém a lugar algum no império das tecnologias do self incrementadas pelo mercado e pela mídia.

Mas é imperativo para o senso comum da direita social que as posições adrede fixadas não se subvertam. O escravismo é mais uma lógica do lugar do que do sentido. É dele que, de fato, têm saudade os que acham um escândalo racial proteger as vítimas históricas da dominação racial. E os jornalões, intelectuais coletivos das classes dirigentes, não fazem mais do que assim se confirmarem ao lhes darem voz exclusiva em seus editoriais e em suas páginas privilegiadas, ao se perpetuarem como cães de guarda da retaguarda escravista. É oportuno prestar atenção à letra da canção de Cartola ("Autonomia") em que ele afirma a necessidade de "uma nova Abolição".

Extraído de Observatório da Imprensa

selo pelos 20 anos da Lei Caó por Memória Lélia Gonzalez
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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Seminário defende militância e aproximação étnica

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Seminário sobre igualdade racial na mídia defende militância e aproximação étnica

16 de outubro de 2009

Os veículos de comunicação desde 2003 vêm aumentando seu espaço editorial em artigos, reportagens e colunas assinadas para combater as ações afirmativas em busca da igualdade social. A solução para combater o problema está em manter a defesa das propostas de aproximação de todas as etnias e a continuidade da militância permanente contra a discriminação em todas as formas.


No seminário “Comunicação e ação afirmativa: o papel da mídia no debate sobre igualdade social” - 14 e 15 de outubro, Associação Brasileira de Imprensa (ABI) - os debates se concentraram em três painéis: “Cobertura da ação afirmativa no Brasil”, “Responsabilidade social da mídia e o debate sobre raça” e “Da opinião publicada à opinião pública: a fabricação de um consenso anticotas no Brasil”.

Escravidão sem racismo

Muniz Sodré disse que em geral não havia racismo na escravidão que tornou-se anacrônica diante dos interesses industriais da sociedade capitalista. Lembrou personagens de época, como Alberto Torres, presidente do Estado do Rio, que era um fazendeiro conservador, mas nunca pregou a inferioridade do negro. “A escravidão era pau, ninguém discute. Destinava três ‘P’s aos escravos: pano, pão e pau, mas nunca foi racista.”

Para fazer valer as ações afirmativas, o professor da UFRJ e atual diretor da Biblioteca Nacional, considera fundamental políticas que favoreçam a aproximação das diversas cores em todos os ambientes sociais. “O que não pode é ficar parado. É preciso ir para as ruas. A militância é fundamental para a mudança desse quadro. Nesse sentido, a política de cotas nas universidades é uma das prioridades”, acentuou.

Discriminação sem fronteiras

Na sua opinião, o racismo está disseminado por todo o mundo, associado em geral a um “mal-estar” provocado pelas correntes conservadoras, embora não se possa colocar como um problema próprio da direita. “Há jornalistas como Elio Gaspari, Miriam Leitão, entre outros, que não são de esquerda e defendem as cotas como uma tese justa e necessária para a afirmação do negro.”

A discriminação está latente em todas as instituições e, segundo Sodré, não é diferente nos veículos de comunicação e no mundo acadêmico. Disse que está há cerca de 40 anos na UFRJ e é o único professor negro a passar pela instituição nesse período. A UFRJ não fez nada com relação ao problema e apenas na Bahia a situação melhorou muito com a implantação das cotas.

Mau exemplo na academia

“Poderia contar muitos episódios chatos ocorridos comigo, mas falarei de apenas um. Tive um aluno muito bom, negrão, que fez concurso para a UFRJ e UFF e não passou. Depois, na Fiocruz, passou em segundo lugar, disseram que não tinha vaga e tempo depois o terceiro colocado é que foi chamado. Ele foi claramente discriminado em todos esses concursos”, enfatizou.

Os primeiros resultados de uma pesquisa realizada por professores do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) apontam que desde 2003 aumenta a cada ano o espaço editorial contrário às ações afirmativas e principalmente às cotas nas universidades. “Na revista Veja e no jornal O Globo, praticamente a metade do espaço em editoriais, reportagens e comentários em colunas são destinados a ataques contra as ações afirmativas”, informou João Féres, professor e pesquisador do Iuperj. Na Veja, 77% dos artigos pesquisados no período são contra as ações afirmativas.

Cotas? Somos contra!

A pesquisa “A mídia impressa no Brasil e a agenda de promoção de igualdade racial” teve como principal conclusão o fato de que os jornais são contra a criação de políticas que incentivam a mobilidade social dos negros no Brasil. “Não podemos nos iludir porque os jornais têm uma lógica capitalista. Mas podemos reagir e este evento serve como exemplo”, explicou Rosângela Malachias, professora do Ceert. Realizada pelo Ceert (Centro de Estudo de Trabalho e Desigualdade), a pesquisa analisou o conteúdo editorial dos jornais O Globo, Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo entre 2001 e 2008.

Os resultados dessas pesquisas foram corrobados pela jornalista Míriam Leitão, do jornal O Globo. Lembrou que em 2003, quando se iniciou o debate sobre cotas, participou da edição do caderno “A cor do Brasil”, vencedor de um prêmio relevante. “Naquela época pensei que o Brasil daria início a um debate na mídia que favorecesse a valorização do negro na sociedade. Hoje, vejo que os veículos de comunicação foram dando muito mais espaço para criticar a proposta. Até as reportagens já são escritas de forma editorializada, sempre com opiniões contrárias.”

Sem medo da hegemonia

Especializada em economia, a jornalista disse que o racismo no Brasil é muito bem-sucedido porque aqui não houve necessidade de adotar medidas explícitas de segregação. “Ele foi se construindo aos poucos, minando as consciências, estabelecendo padrões de beleza, dividiu a sociedade. Os brancos não se importam de serem hegemônicos.”

As festas promovidas pelas pessoas das classes mais ricas, há 120 anos, são exatamente iguais às de hoje com relação aos papéis vividos por brancos e negros. “Os negros não são convidados para participar. Só estão ali como subalternos, servindo canapés ou divertindo os brancos”. Para mudar essa realidade, a cota é valiosa como ferramenta para gerar novas ações afirmativas e permitir que o Brasil se encontre com ele mesmo, acentuou a jornalista.

Só mudam os discursos

As justificativas contra as ações afirmativas se modificam de acordo com a evolução do debate. As pesquisas revelam que os argumentos contra as cotas em 2003 estavam muito mais relacionadas com o fato de “não levarem em conta o mérito” e que o caminho indicado seria investir no ensino médio. “Os artigos a favor praticamente desaparecem das páginas e os contrários dispararam entre 2008 e 2009. Agora, prevalesce o argumento de que a cota acirra o conflito racial”, disse o professor João Féres.

Além dos veículos de comunicação, as publicações contrárias às ações afirmativas também foram muito citadas e criticadas, como o livro “Não somos racistas”, do jornalista Ali Kamel, diretor de Jornalismo da Rede Globo, e a participação ativa do pensador Demétrio Magnoli. Apesar dos frequentes e sucessivos ataques da mídia, que aumentaram de intensidade nos últimos anos, Miriam Leitão acredita que não existe um consenso anticotas no Brasil.
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  • Mídia e ação afirmativa em debate

    8/10/2009

    “Comunicação e Ação Afirmativa: O Papel da Mídia no Debate sobre Igualdade Racial”, este é o título do seminário (que será) realizado nos dias 14 e 15 de outubro na Sala Belisário Souza da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), na Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar, Centro, no horário de 13h30 a 17h30.

    Com a presença de grandes nomes da mídia brasileira — como Ancelmo Gois e Miriam Leitão (jornal O Globo); e Márcia Neder (revista Claudia) —, ao lado de especialistas acadêmicos como Muniz Sodré (FBN), e ativistas do movimento social, o encontro pretende suscitar um debate que vai além dos limites de seu tema, pois envolve o papel dos veículos de comunicação numa sociedade democrática, suas responsabilidades e limites.

    O seminário é fruto da parceria entre a ABI, o Conselho Municipal dos Direitos do Negro (Comdedine) e a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), com apoio da Coordenadoria Especial de Promoção da Igualdade Racial do Município do Rio de Janeiro (CEPIR).

    Segundo o Coordenador Especial de Promoção da Igualdade Racial do Município do Rio de Janeiro, Carlos Alberto Medeiros (Mestre em Sociologia e Direito pela UFF), o debate pretende discutir por que as reportagens sobre uma causa de tamanha relevância — como as políticas de ação afirmativa, que incluem as polêmicas cotas para negros nas universidades —, não abordam os pontos de vista de fontes que são favoráveis a ela, como o arquiteto Oscar Niemeyer, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, os antropólogos Roberto da Matta e Otávio Velho, o jurista Fábio Konder Comparato, os ministros do STF Marco Aurélio Mello, Joaquim Barbosa Gomes, Celso Mello e Carlos Ayres Britto, os jornalistas Miriam Leitão, Elio Gaspari e Ancelmo Gois, os atores Lázaro Ramos, Wagner Moura e Taís Araújo, os compositores e cantores Gilberto Gil e Martinho da Vila, entre outros:

    — Por que, então, essas figuras tão relevantes de nossa sociedade não costumam ser entrevistadas sobre esse tema? Seria isso produto de uma ação deliberada de grande parte da mídia brasileira, possivelmente interessada em fabricar uma opinião pública contrária a essas políticas? — indaga Carlos Alberto Medeiros, acrescentando que estas são as questões que o seminário pretende esclarecer.


    Programa
    “Seminário comunicação e ação afirmativa: o papel da mídia no debate sobre igualdade racial”
    Realização: ABI, Comdedine, Cojira, Seppir, Cepir
    Local: Associação Brasileira de Imprensa – Rua Araújo Porto Alegre, 71

    Dia 14 de outubro

    14h – Mesa de Abertura com representantes das entidades organizadoras, ABI e Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro

    15h30min – “Cobertura da Ação Afirmativa no Brasil”

    Debatedores:
    Ancelmo Gois (O Globo)
    Kássio Motta (autor de pesquisa acadêmica sobre a cobertura do tema pelo Globo)
    João Feres (IUPERJ)

    Dia 15 de outubro

    13h30 — “A responsabilidade social da mídia e o debate sobre raça”

    Debatedores:
    Muniz Sodré (FBN)
    Maurício Pestana (revista Raça)
    Márcia Neder (revista Claudia)

    15h30 — “Da opinião publicada à opinião pública: A fabricação de um consenso anticotas no Brasil”

    Debatedores:
    Miriam Leitão (Globo)
    Rosângela Malachias (CEERT)
    Carlos Alberto Medeiros (Cepir)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Nosso racismo é um crime perfeito

Nosso racismo é um crime perfeito

Kabengele Munanga denuncia a farsa da democracia racial, defende o sistema de cotas e discute o espaço do negro na sociedade.

Edição 77 • Agosto de 2009
Por Camila Souza Ramos e Glauco Faria
[Terça-Feira, 18 de Agosto de 2009 às 15:15hs]

Fórum - O senhor veio do antigo Zaire que, apesar de ter alguns pontos de contato com a cultura brasileira e a cultura do Congo, é um país bem diferente. O senhor sentiu, quando veio pra cá, a questão racial? Como foi essa mudança para o senhor?

Kabengele - Essas coisas não são tão abertas como a gente pensa. Cheguei aqui em 1975, diretamente para a USP, para fazer doutorado. Não se depara com o preconceito à primeira vista, logo que sai do aeroporto. Essas coisas vêm pouco a pouco, quando se começa a descobrir que você entra em alguns lugares e percebe que é único, que te olham e já sabem que não é daqui, que não é como “nossos negros”, é diferente. Poderia dizer que esse estranhamento é por ser estrangeiro, mas essa comparação na verdade é feita em relação aos negros da terra, que não entram em alguns lugares ou não entram de cabeça erguida.

Depois, com o tempo, na academia, fiz disciplinas em antropologia e alguns de meus professores eram especialistas na questão racial. Foi através da academia, da literatura, que comecei a descobrir que havia problemas no país. Uma das primeiras aulas que fiz foi em 1975, 1976, já era uma disciplina sobre a questão racial com meu orientador João Batista Borges Pereira. Depois, com o tempo, você vai entrar em algum lugar em que está sozinho e se pergunta: onde estão os outros? As pessoas olhavam mesmo, inclusive olhavam mais quando eu entrava com minha mulher e meus filhos. Porque é uma família inter-racial: a mulher branca, o homem negro, um filho negro e um filho mestiço. Em todos os lugares em que a gente entrava, era motivo de curiosidade. O pessoal tentava ser discreto, mas nem sempre escondia. Entrávamos em lugares onde geralmente os negros não entram.

A partir daí você começa a buscar uma explicação para saber o porquê e se aproxima da literatura e das aulas da universidade que falam da discriminação racial no Brasil, os trabalhos de Florestan Fernandes, do Otavio Ianni, do meu próprio orientador e de tantos outros que trabalharam com a questão. Mas o problema é que quando a pessoa é adulta sabe se defender, mas as crianças não. Tenho dois filhos que nasceram na Bélgica, dois no Congo e meu caçula é brasileiro. Quantas vezes, quando estavam sozinhos na rua, sem defesa, se depararam com a polícia?

Meus filhos estudaram em escola particular, Colégio Equipe, onde estudavam filhos de alguns colegas professores. Eu não ia buscá-los na escola, e quando saíam para tomar ônibus e voltar para casa com alguns colegas que eram brancos, eles eram os únicos a ser revistados. No entanto, a condição social era a mesma e estudavam no mesmo colégio. Por que só eles podiam ser suspeitos e revistados pela polícia? Essa situação eu não posso contar quantas vezes vi acontecer. Lembro que meu filho mais velho, que hoje é ator, quando comprou o primeiro carro dele, não sei quantas vezes ele foi parado pela polícia. Sempre apontando a arma para ele para mostrar o documento. Ele foi instruído para não discutir e dizer que os documentos estão no porta-luvas, senão podem pensar que ele vai sacar uma arma. Na realidade, era suspeito de ser ladrão do próprio carro que ele comprou com o trabalho dele. Meus filhos até hoje não saem de casa para atravessar a rua sem documento. São adultos e criaram esse hábito, porque até você provar que não é ladrão... A geografia do seu corpo não indica isso.

Então, essa coisa de pensar que a diferença é simplesmente social, é claro que o social acompanha, mas e a geografia do corpo? Isso aqui também vai junto com o social, não tem como separar as duas coisas. Fui com o tempo respondendo à questão, por meio da vivência, com o cotidiano e as coisas que aprendi na universidade, depoimentos de pessoas da população negra, e entendi que a democracia racial é um mito. Existe realmente um racismo no Brasil, diferenciado daquele praticado na África do Sul durante o regime do apartheid, diferente também do racismo praticado nos EUA, principalmente no Sul. Porque nosso racismo é, utilizando uma palavra bem conhecida, sutil. Ele é velado. Pelo fato de ser sutil e velado isso não quer dizer que faça menos vítimas do que aquele que é aberto. Faz vítimas de qualquer maneira.

Revista Fórum - Quando você tem um sistema como o sul-africano ou um sistema de restrição de direitos como houve nos EUA, o inimigo está claro. No caso brasileiro é mais difícil combatê-lo...

Kabengele - Claro, é mais difícil. Porque você não identifica seu opressor. Nos EUA era mais fácil porque começava pelas leis. A primeira reivindicação: o fim das leis racistas. Depois, se luta para implementar políticas públicas que busquem a promoção da igualdade racial. Aqui é mais difícil, porque não tinha lei nem pra discriminar, nem pra proteger. As leis pra proteger estão na nova Constituição que diz que o racismo é um crime inafiançável. Antes disso tinha a lei Afonso Arinos, de 1951. De acordo com essa lei, a prática do racismo não era um crime, era uma contravenção. A população negra e indígena viveu muito tempo sem leis nem para discriminar nem para proteger.

Revista Fórum - Aqui no Brasil há mais dificuldade com relação ao sistema de cotas justamente por conta do mito da democracia racial?

Kabengele - Tem segmentos da população a favor e contra. Começaria pelos que estão contra as cotas, que apelam para a própria Constituição, afirmando que perante a lei somos todos iguais. Então não devemos tratar os cidadãos brasileiros diferentemente, as cotas seriam uma inconstitucionalidade. Outro argumento contrário, que já foi demolido, é a ideia de que seria difícil distinguir os negros no Brasil para se beneficiar pelas cotas por causa da mestiçagem. O Brasil é um país de mestiçagem, muitos brasileiros têm sangue europeu, além de sangue indígena e africano, então seria difícil saber quem é afro-descendente que poderia ser beneficiado pela cota. Esse argumento não resistiu. Por quê? Num país onde existe discriminação antinegro, a própria discriminação é a prova de que é possível identificar os negros. Senão não teria discriminação.

Em comparação com outros países do mundo, o Brasil é um país que tem um índice de mestiçamento muito mais alto. Mas isso não pode impedir uma política, porque basta a autodeclaração. Basta um candidato declarar sua afro-descendência. Se tiver alguma dúvida, tem que averiguar. Nos casos-limite, o indivíduo se autodeclara afrodescendente. Às vezes, tem erros humanos, como o que aconteceu na UnB, de dois jovens mestiços, de mesmos pais, um entrou pelas cotas porque acharam que era mestiço, e o outro foi barrado porque acharam que era branco. Isso são erros humanos. Se tivessem certeza absoluta que era afro-descendente, não seria assim. Mas houve um recurso e ele entrou. Esses casos-limite existem, mas não é isso que vai impedir uma política pública que possa beneficiar uma grande parte da população brasileira.

Além do mais, o critério de cota no Brasil é diferente dos EUA. Nos EUA, começaram com um critério fixo e nato. Basta você nascer negro. No Brasil não. Se a gente analisar a história, com exceção da UnB, que tem suas razões, em todas as universidades brasileiras que entraram pelo critério das cotas, usaram o critério étnico-racial combinado com o critério econômico. O ponto de partida é a escola pública. Nos EUA não foi isso. Só que a imprensa não quer enxergar, todo mundo quer dizer que cota é simplesmente racial. Não é. Isso é mentira, tem que ver como funciona em todas as universidades. É necessário fazer um certo controle, senão não adianta aplicar as cotas. No entanto, se mantém a ideia de que, pelas pesquisas quantitativas, do IBGE, do Ipea, dos índices do Pnud, mostram que o abismo em matéria de educação entre negros e brancos é muito grande. Se a gente considerar isso então tem que ter uma política de mudança. É nesse sentido que se defende uma política de cotas.

O racismo é cotidiano na sociedade brasileira. As pessoas que estão contra cotas pensam como se o racismo não tivesse existido na sociedade, não estivesse criando vítimas. Se alguém comprovar que não tem mais racismo no Brasil, não devemos mais falar em cotas para negros. Deveríamos falar só de classes sociais. Mas como o racismo ainda existe, então não há como você tratar igualmente as pessoas que são vítimas de racismo e da questão econômica em relação àquelas que não sofrem esse tipo de preconceito. A própria pesquisa do IPEA mostra que se não mudar esse quadro, os negros vão levar muitos e muitos anos para chegar aonde estão os brancos em matéria de educação. Os que são contra cotas ainda dão o argumento de que qualquer política de diferença por parte do governo no Brasil seria uma política de reconhecimento das raças e isso seria um retrocesso, que teríamos conflitos, como os que aconteciam nos EUA.

Fórum - Que é o argumento do Demétrio Magnoli.

Kabengele - Isso é muito falso, porque já temos a experiência, alguns falam de mais de 70 universidades públicas, outros falam em 80. Já ouviu falar de conflitos raciais em algum lugar, linchamentos raciais? Não existe. É claro que houve manifestações numa universidade ou outra, umas pichações, "negro, volta pra senzala". Mas isso não se caracteriza como conflito racial. Isso é uma maneira de horrorizar a população, projetar conflitos que na realidade não vão existir.

Fórum - Agora o DEM entrou com uma ação no STF pedindo anulação das cotas. O que motiva um partido como o DEM, qual a conexão entre a ideologia de um partido ou um intelectual como o Magnoli e essa oposição ao sistema de cotas? Qual é a raiz dessa resistência?

Kabengele – Tenho a impressão que as posições ideológicas não são explícitas, são implícitas. A questão das cotas é uma questão política. Tem pessoas no Brasil que ainda acreditam que não há racismo no país. E o argumento desse deputado do DEM é esse, de que não há racismo no Brasil, que a questão é simplesmente socioeconômica. É um ponto de vista refutável, porque nós temos provas de que há racismo no Brasil no cotidiano. O que essas pessoas querem? Status quo. A ideia de que o Brasil vive muito bem, não há problema com ele, que o problema é só com os pobres, que não podemos introduzir as cotas porque seria introduzir uma discriminação contra os brancos e pobres. Mas eles ignoram que os brancos e pobres também são beneficiados pelas cotas, e eles negam esse argumento automaticamente, deixam isso de lado.

Fórum – Mas isso não é um cinismo de parte desses atores políticos, já que eles são contra o sistema de cotas, mas também são contra o Bolsa-Família ou qualquer tipo de política compensatória no campo socioeconômico?

Kabengele - É interessante, porque um país que tem problemas sociais do tamanho do Brasil deveria buscar caminhos de mudança, de transformação da sociedade. Cada vez que se toca nas políticas concretas de mudança, vem um discurso. Mas você não resolve os problemas sociais somente com a retórica. Quanto tempo se fala da qualidade da escola pública? Estou aqui no Brasil há 34 anos. Desde que cheguei aqui, a escola pública mudou em algum lugar? Não, mas o discurso continua. "Ah, é só mudar a escola pública." Os mesmos que dizem isso colocam os seus filhos na escola particular e sabem que a escola pública é ruim. Poderiam eles, como autoridades, dar melhor exemplo e colocar os filhos deles em escola pública e lutar pelas leis, bom salário para os educadores, laboratórios, segurança. Mas a coisa só fica no nível da retórica.

E tem esse argumento legalista, "porque a cota é uma inconstitucionalidade, porque não há racismo no Brasil". Há juristas que dizem que a igualdade da qual fala a Constituição é uma igualdade formal, mas tem a igualdade material. É essa igualdade material que é visada pelas políticas de ação afirmativa. Não basta dizer que somos todos iguais. Isso é importante, mas você tem que dar os meios e isso se faz com as políticas públicas. Muitos disseram que as cotas nas universidades iriam atingir a excelência universitária. Está comprovado que os alunos cotistas tiveram um rendimento igual ou superior aos outros. Então a excelência não foi prejudicada. Aliás, é curioso falar de mérito como se nosso vestibular fosse exemplo de democracia e de mérito. Mérito significa simplesmente que você coloca como ponto de partida as pessoas no mesmo nível. Quando as pessoas não são iguais, não se pode colocar no ponto de partida para concorrer igualmente. É como você pegar uma pessoa com um fusquinha e outro com um Mercedes, colocar na mesma linha de partida e ver qual o carro mais veloz. O aluno que vem da escola pública, da periferia, de péssima qualidade, e o aluno que vem de escola particular de boa qualidade, partindo do mesmo ponto, é claro que os que vêm de uma boa escola vão ter uma nota superior. Se um aluno que vem de um Pueri Domus, Liceu Pasteur, tira nota 8, esse que vem da periferia e tirou nota 5 teve uma caminhada muito longa. Essa nota 5 pode ser mais significativa do que a nota 7 ou 8. Dando oportunidade ao aluno, ele não vai decepcionar.

Foi isso que aconteceu, deram oportunidade. As cotas são aplicadas desde 2003. Nestes sete anos, quantos jovens beneficiados pelas cotas terminaram o curso universitário e quantos anos o Brasil levaria para formar o tanto de negros sem cotas? Talvez 20 ou mais. Isso são coisas concretas para as quais as pessoas fecham os olhos. No artigo do professor Demétrio Magnoli, ele me critica, mas não leu nada. Nem uma linha de meus livros. Simplesmente pegou o livro da Eneida de Almeida dos Santos, Mulato, negro não-negro e branco não-branco que pediu para eu fazer uma introdução, e desta introdução de três páginas ele tirou algumas frases e, a partir dessas frases, me acusa de ser um charlatão acadêmico, de professar o racismo científico abandonado há mais de um século e fazer parte de um projeto de racialização oficial do Brasil. Nunca leu nada do que eu escrevi.

A autora do livro é mestiça, psiquiatra e estuda a dificuldade que os mestiços entre branco e negro têm pra construir a sua identidade. Fiz a introdução mostrando que eles têm essa dificuldade justamente por causa de serem negros não-negros e brancos não-brancos. Isso prejudica o processo, mas no plano político, jurídico, eles não podem ficar ambivalentes. Eles têm que optar por uma identidade, têm que aceitar sua negritude, e não rejeitá-la. Com isso ele acha que eu estou professando a supressão dos mestiços no Brasil e que isso faz parte do projeto de racialização do brasileiro. Não tinha nada para me acusar, soube que estou defendendo as cotas, tirou três frases e fez a acusação dele no jornal.

Fórum - O senhor toca na questão do imaginário da democracia racial, mas as pessoas são formadas para aceitarem esse mito...

Kabengele - O racismo é uma ideologia. A ideologia só pode ser reproduzida se as próprias vítimas aceitam, a introjetam, naturalizam essa ideologia. Além das próprias vítimas, outros cidadãos também, que discriminam e acham que são superiores aos outros, que têm direito de ocupar os melhores lugares na sociedade. Se não reunir essas duas condições, o racismo não pode ser reproduzido como ideologia, mas toda educação que nós recebemos é para poder reproduzi-la.

Há negros que introduziram isso, que alienaram sua humanidade, que acham que são mesmo inferiores e o branco tem todo o direito de ocupar os postos de comando. Como também tem os brancos que introjetaram isso e acham mesmo que são superiores por natureza. Mas para você lutar contra essa ideia não bastam as leis, que são repressivas, só vão punir. Tem que educar também. A educação é um instrumento muito importante de mudança de mentalidade e o brasileiro foi educado para não assumir seus preconceitos. O Florestan Fernandes dizia que um dos problemas dos brasileiros é o “preconceito de ter preconceito de ter preconceito”. O brasileiro nunca vai aceitar que é preconceituoso. Foi educado para não aceitar isso. Como se diz, na casa de enforcado não se fala de corda.

Quando você está diante do negro, dizem que tem que dizer que é moreno, porque se disser que é negro, ele vai se sentir ofendido. O que não quer dizer que ele não deve ser chamado de negro. Ele tem nome, tem identidade, mas quando se fala dele, pode dizer que é negro, não precisa branqueá-lo, torná-lo moreno. O brasileiro foi educado para se comportar assim, para não falar de corda na casa de enforcado. Quando você pega um brasileiro em flagrante de prática racista, ele não aceita, porque não foi educado para isso. Se fosse um americano, ele vai dizer: "Não vou alugar minha casa para um negro". No Brasil, vai dizer: "Olha, amigo, você chegou tarde, acabei de alugar". Porque a educação que o americano recebeu é pra assumir suas práticas racistas, pra ser uma coisa explícita.

Quando a Folha de S. Paulo fez aquela pesquisa de opinião em 1995, perguntaram para muitos brasileiros se existe racismo no Brasil. Mais de 80% disseram que sim. Perguntaram para as mesmas pessoas: "você já discriminou alguém?". A maioria disse que não. Significa que há racismo, mas sem racistas. Ele está no ar... Como você vai combater isso? Muitas vezes o brasileiro chega a dizer ao negro que reage: "você que é complexado, o problema está na sua cabeça". Ele rejeita a culpa e coloca na própria vítima. Já ouviu falar de crime perfeito? Nosso racismo é um crime perfeito, porque a própria vítima é que é responsável pelo seu racismo, quem comentou não tem nenhum problema.

Revista Fórum - O humorista Danilo Gentilli escreveu no Twitter uma piada a respeito do King Kong, comparando com um jogador de futebol que saía com loiras. Houve uma reação grande e a continuação dos argumentos dele para se justificar vai ao encontro disso que o senhor está falando. Ele dizia que racista era quem acusava ele, e citava a questão do orgulho negro como algo de quem é racista.

Kebengele - Faz parte desse imaginário. O que está por trás que está fazendo uma ilustração de King Kong, que ele compara a um jogador de futebol que vai casar com uma loira, é a ideia de alguém que ascende na vida e vai procurar sua loira. Mas qual é o problema desse jogador de futebol? São pessoas vítimas do racismo que acham que agora ascenderam na vida e, para mostrar isso, têm que ter uma loira que era proibida quando eram pobres? Pode até ser uma explicação. Mas essa loira não é uma pessoa humana que pode dizer não ou sim e foi obrigada a ir com o King Kong por causa de dinheiro? Pode ser, quantos casamentos não são por dinheiro na nossa sociedade? A velha burguesia só se casa dentro da velha burguesia. Mas sempre tem pessoas que desobedecem as normas da sociedade.

Essas jovens brancas, loiras, também pulam a cerca de suas identidades pra casar com um negro jogador. Por que a corda só arrebenta do lado do jogador de futebol? No fundo, essas pessoas não querem que os negros casem com suas filhas. É uma forma de racismo. Estão praticando um preconceito que não respeita a vontade dessas mulheres nem essas pessoas que ascenderam na vida, numa sociedade onde o amor é algo sem fronteiras, e não teria tantos mestiços nessa sociedade. Com tudo o que aconteceu no campo de futebol com aquele jogador da Argentina que chamou o Grafite de macaco, com tudo o que acontece na Europa, esse humorista faz uma ilustração disso, ou é uma provocação ou quer reafirmar os preconceitos na nossa sociedade.

Fórum - É que no caso, o Danilo Gentili ainda justificou sua piada com um argumento muito simplório: "por que eu posso chamar um gordo de baleia e um negro de macaco", como se fosse a mesma coisa.

Kabengele - É interessante isso, porque tenho a impressão de que é um cara que não conhece a história e o orgulho negro tem uma história. São seres humanos que, pelo próprio processo de colonização, de escravidão, a essas pessoas foi negada sua humanidade. Para poder se recuperar, ele tem que assumir seu corpo como negro. Se olhar no espelho e se achar bonito ou se achar feio. É isso o orgulho negro. E faz parte do processo de se assumir como negro, assumir seu corpo que foi recusado. Se o humorista conhecesse isso, entenderia a história do orgulho negro. O branco não tem motivo para ter orgulho branco porque ele é vitorioso, está lá em cima. O outro que está lá em baixo que deve ter orgulho, que deve construir esse orgulho para poder se reerguer.

Fórum - O senhor tocou no caso do Grafite com o Desábato, e recentemente tivemos, no jogo da Libertadores entre Cruzeiro e Grêmio, o caso de um jogador que teria sido chamado de macaco por outro atleta. Em geral, as pessoas – jornalistas que comentaram, a diretoria gremista – argumentavam que no campo de futebol você pode falar qualquer coisa, e que se as pessoas fossem se importar com isso, não teria como ter jogo de futebol. Como você vê esse tipo de situação?

Kabengele - Isso é uma prova daquilo que falei, os brasileiros são educados para não assumir seus hábitos, seu racismo. Em outros países, não teria essa conversa de que no campo de futebol vale. O pessoal pune mesmo. Mas aqui, quando se trata do negro... Já ouviu caso contrário, de negro que chama branco de macaco? Quando aquele delegado prendeu o jogador argentino no caso do Grafite, todo mundo caiu em cima. Os técnicos, jornalistas, esportistas, todo mundo dizendo que é assim no futebol. Então a gente não pode educar o jogador de futebol, tudo é permitido? Quando há violência física, eles são punidos, mas isso aqui é uma violência também, uma violência simbólica. Por que a violência simbólica é aceita a violência física é punida?

Fórum - Como o senhor vê hoje a aplicação da lei que determina a obrigatoriedade do ensino de cultura africana nas escolas? Os professores, de um modo geral, estão preparados para lidar com a questão racial?

Kabengele - Essa lei já foi objeto de crítica das pessoas que acham que isso também seria uma racialização do Brasil. Pessoas que acham que, sendo a população brasileira uma população mestiça, não é preciso ensinar a cultura do negro, ensinar a história do negro ou da África. Temos uma única história, uma única cultura, que é uma cultura mestiça. Tem pessoas que vão nessa direção, pensam que isso é uma racialização da educação no Brasil.

Mas essa questão do ensino da diversidade na escola não é propriedade do Brasil. Todos os países do mundo lidam com a questão da diversidade, do ensino da diversidade na escola, até os que não foram colonizadores, os nórdicos, com a vinda dos imigrantes, estão tratando da questão da diversidade na escola.

O Brasil deveria tratar dessa questão com mais força, porque é um país que nasceu do encontro das culturas, das civilizações. Os europeus chegaram, a população indígena – dona da terra – os africanos, depois a última onda imigratória é dos asiáticos. Então tudo isso faz parte das raízes formadoras do Brasil que devem fazer parte da formação do cidadão. Ora, se a gente olhar nosso sistema educativo, percebemos que a história do negro, da África, das populações indígenas não fazia parte da educação do brasileiro.

Nosso modelo de educação é eurocêntrico. Do ponto de vista da historiografia oficial, os portugueses chegaram na África, encontraram os africanos vendendo seus filhos, compraram e levaram para o Brasil. Não foi isso que aconteceu. A história da escravidão é uma história da violência. Quando se fala de contribuições, nunca se fala da África. Se se introduzir a história do outro de uma maneira positiva, isso ajuda.

É por isso que a educação, a introdução da história dele no Brasil, faz parte desse processo de construção do orgulho negro. Ele tem que saber que foi trazido e aqui contribuiu com o seu trabalho, trabalho escravizado, para construir as bases da economia colonial brasileira. Além do mais, houve a resistência, o negro não era um João-Bobo que simplesmente aceitou, senão a gente não teria rebeliões das senzalas, o Quilombo dos Palmares, que durou quase um século. São provas de resistência e de defesa da dignidade humana. São essas coisas que devem ser ensinadas. Isso faz parte do patrimônio histórico de todos os brasileiros. O branco e o negro têm que conhecer essa história porque é aí que vão poder respeitar os outros.

Voltando a sua pergunta, as dificuldades são de duas ordens. Em primeiro lugar, os educadores não têm formação para ensinar a diversidade. Estudaram em escolas de educação eurocêntrica, onde não se ensinava a história do negro, não estudaram história da África, como vão passar isso aos alunos? Além do mais, a África é um continente, com centenas de culturas e civilizações. São 54 países oficialmente. A primeira coisa é formar os educadores, orientar por onde começou a cultura negra no Brasil, por onde começa essa história. Depois dessa formação, com certo conteúdo, material didático de boa qualidade, que nada tem a ver com a historiografia oficial, o processo pode funcionar.

Fórum - Outra questão que se discute é sobre o negro nos espaços de poder. Não se veem negros como prefeitos, governadores. Como trabalhar contra isso?

Kabengele - O que é um país democrático? Um país democrático, no meu ponto de vista, é um país que reflete a sua diversidade na estrutura de poder. Nela, você vê mulheres ocupando cargos de responsabilidade, no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, assim como no setor privado. E ainda os índios, que são os grandes discriminados pela sociedade. Isso seria um país democrático. O fato de você olhar a estrutura de poder e ver poucos negros ou quase não ver negros, não ver mulheres, não ver índios, isso significa que há alguma coisa que não foi feita nesse país. Como construção da democracia, a representatividade da diversidade não existe na estrutura de poder. Por quê?

Se você fizer um levantamento no campo jurídico, quantos desembargadores e juízes negros têm na sociedade brasileira? Se você for pras universidades públicas, quantos professores negros tem, começando por minha própria universidade? Esta universidade tem cerca de 5 mil professores. Quantos professores negros tem na USP? Nessa grande faculdade, que é a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), uma das maiores da USP junto com a Politécnica, tenho certeza de que na minha faculdade fui o primeiro negro a entrar como professor. Desde que entrei no Departamento de Antropologia, não entrou outro. Daqui três anos vou me aposentar. O professor Milton Santos, que era um grande professor, quase Nobel da Geografia, entrou no departamento, veio do exterior e eu já estava aqui. Em toda a USP, não sou capaz de passar de dez pessoas conhecidas. Pode ter mais, mas não chega a 50, exagerando. Se você for para as grandes universidades americanas, Harvard, Princeton, Standford, você vai encontrar mais negros professores do que no Brasil. Lá eles são mais racistas, ou eram mais racistas, mas como explicar tudo isso?

120 anos de abolição. Por que não houve uma certa mobilidade social para os negros chegarem lá? Há duas explicações: ou você diz que ele é geneticamente menos inteligente, o que seria uma explicação racista, ou encontra explicação na sociedade. Quer dizer que se bloqueou a sua mobilidade. E isso passa por questão de preconceito, de discriminação racial. Não há como explicar isso. Se você entender que os imigrantes japoneses chegaram, nós comemoramos 100 anos recentemente da sua vinda, eles tiveram uma certa mobilidade. Os coreanos também ocupam um lugar na sociedade. Mas os negros já estão a 120 anos da abolição. Então tem uma explicação. Daí a necessidade de se mudar o quadro. Ou nós mantemos o quadro, porque se não mudamos estamos racializando o Brasil, ou a gente mantém a situação para mostrar que não somos racistas. Porque a explicação é essa, se mexer, somos racistas e estamos racializando. Então vamos deixar as coisas do jeito que estão. Esse é o dilema da sociedade.

Revista Fórum – como o senhor vê o tratamento dado pela mídia à questão racial?

Kabengele - A imprensa faz parte da sociedade. Acho que esse discurso do mito da democracia racial é um discurso também que é absorvido por alguns membros da imprensa. Acho que há uma certa tendência na imprensa pelo fato de ser contra as políticas de ação afirmativa, sendo que também não são muito favoráveis a essa questão da obrigatoriedade do ensino da história do negro na escola.

Houve, no mês passado, a II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Silêncio completo da imprensa brasileira. Não houve matérias sobre isso. Os grandes jornais da imprensa escrita não pautaram isso. O silêncio faz parte do dispositivo do racismo brasileiro. Como disse Elie Wiesel, o carrasco mata sempre duas vezes. A segunda mata pelo silêncio. O silêncio é uma maneira de você matar a consciência de um povo. Porque se falar sobre isso abertamente, as pessoas vão buscar saber, se conscientizar, mas se ficar no silêncio a coisa morre por aí. Então acho que o silêncio da imprensa, no meu ponto de vista, passa por essa estratégia, é o não-dito.

Acabei de passar por uma experiência interessante. Saí da Conferência Nacional e fui para Barcelona, convidado por um grupo de brasileiros que pratica capoeira. Claro, receberam recursos do Ministério das Relações Exteriores, que pagou minha passagem e a estadia. Era uma reunião pequena de capoeiristas e fiz uma conferência sobre a cultura negra no Brasil. Saiu no El Pais, que é o jornal mais importante da Espanha, noticiou isso, uma coisa pequena. Uma conferência nacional deste tamanho aqui não se fala. É um contrassenso. O silêncio da imprensa não é um silêncio neutro, é um silêncio que indica uma certa orientação da questão racial. Tem que não dizer muita coisa e ficar calado. Amanhã não se fala mais, acabou.

Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum de agosto. Nas bancas.

Camila Souza Ramos e Glauco Faria

extraído de Revista Fórum

recebido de Jorge Luís Rodrigues dos Santos. a quem agradecemos.

foto do Prof Kabegele Munanga - Jornal Ìrohìn
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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Cotas: uma nova consciência acadêmica

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Cotas: uma nova consciência acadêmica

José Jorge de Carvalho
*
...........................JC e-mail 3850, de 17 de Setembro de 2009

"A África do Sul, ainda nos dias do apartheid, já tinha mais professores universitários negros do que nós temos hoje"

Enquanto cresce o número de universidades que aprovam autonomamente as cotas, a reação a esse movimento de dimensão nacional pela inclusão de negros e indígenas vai se tornando cada vez mais ideológica, exasperada e descolada da realidade concreta do ensino superior brasileiro.

Em um artigo recente ("O dom de iludir", "Tendências/Debates", 9/9), Demétrio Magnoli citou fragmento de um parágrafo de conferência que proferi na Universidade Federal de Goiás em 2001. Mas ele suprimiu a frase seguinte às que citou - justamente o que daria sentido ao meu argumento, que, da forma como foi utilizado, pareceu absurdo.

Sua transcrição truncada fez desaparecer a crítica irônica que eu fazia ao tipo de ação afirmativa de uma faculdade do Estado de Maine, nos EUA. O tema da conferência era acusar a carência, naquele ano de 2001, de políticas de inclusão no ensino superior brasileiro, fossem de corte liberal ou socialista.

Magnoli ocultou dos leitores o que eu disse em seguida: "Quero contrastar isso com o que acontece no Brasil. Como estamos nós? A Universidade de Brasília tem 1.400 professores e apenas 14 são negros". É 1% de professores negros na UnB.

E quantos são os docentes negros da USP? Dados recentes indicam que, de 5.434 docentes, os negros não passam de 40. Pelo censo de identificação que fiz em 2005, a porcentagem média de docentes negros no conjunto das seis mais poderosas universidades públicas brasileiras (USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS, UFMG, UnB) é 0,6%.

Essa porcentagem pode ser considerada insignificante do ponto de vista estatístico e não deverá mudar muito, pois é crônica e menor que a flutuação probabilística da composição racial dos que entram e saem no interior do contingente de 18 mil docentes dessas instituições.

Para contrastar, a África do Sul, ainda nos dias do apartheid, já tinha mais professores universitários negros do que nós temos hoje. Se não interviermos nos mecanismos de ingresso, nossas universidades mais importantes poderão atravessar todo o século 21 praticando um apartheid racial na docência praticamente irreversível.

É esta a questão central das cotas no ensino superior: a desigualdade racial existente na graduação, na pós-graduação, na docência e na pesquisa. Pensar na docência descortina um horizonte para a luta atual pelas cotas na graduação.

Enquanto lutamos para mudar essa realidade, um grupo de acadêmicos e jornalistas brancos, concentrado no eixo Rio-São Paulo, reage contra esse movimento apontando para cenários catastróficos, como se, por causa das cotas, as universidades brasileiras pudessem ser palco de genocídios como o do nazismo e o de Ruanda!

Como não podem negar a necessidade de alguma política de inclusão racial, passam a repetir tediosamente aquilo que todos sabem e do que ninguém discorda: não existem raças no sentido biológico do termo.

E, contrariando inclusive todos os dados oficiais sobre a desigualdade racial produzidos pelo IBGE e pelo Ipea, começam a negar a própria existência de racismo no Brasil.

Fugindo do debate substantivo, os anticotas optam pela desinformação e pelo negacionismo: raça não existe, logo, não há negros no Brasil; se existem por causa das cotas, não há como identificá-los; logo, não pode haver cotas.

Raças não existem, mas os negros existem, sofrem racismo e a maioria deles está excluída do ensino superior. Felizmente, a consciência de que é preciso incluir, ainda que emergencialmente, só vem crescendo, por isso, a presente década pode ser descrita como a década das cotas no ensino superior no Brasil. Começando com três universidades em 2002, em 2009 já são 94 universidades com ações afirmativas, em 68 das quais com recorte étnico-racial.

Vivemos um rico e criativo processo histórico, resultado de grande mobilização nacional de negros, indígenas e brancos, gerando juntos intensos debates, dentro e fora de universidades. Os modelos aprovados são inúmeros, cada um deles tentando refletir realidades regionais e dinâmicas específicas de cada universidade.

Essa nova consciência acadêmica refletiu positivamente no CNPq, que acaba de reservar 600 bolsas de iniciação científica para cotistas. Se o século 20 no Brasil foi o século da desigualdade racial, surge uma nova consciência de que o século 21 será o século da igualdade étnica e racial no ensino superior e na pesquisa.

* José Jorge de Carvalho é professor da UnB (Universidade de Brasília) e coordenador do INCT de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa.

Artigo publicado na "Folha de SP" 17/9/2009

Extraído de Jornal da Ciência

recebido de Jorge Luís Rodrigues dos Santos - j.rodriguesantos@gmail.com
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Estatuto da Igualdade sem Cotas

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Estatuto sem cotas
Editorial - 16/09/2009 11:22

A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 9 de setembro o projeto de lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial (PL 6264/2005). O projeto, de autoria do Senador Paulo Paim, vinha sendo discutido há pelo menos dez anos e sua aprovação se deu após uma série de concessões feitas no texto original.

Algumas dessas concessões geraram certa polêmica em torno do Estatuto. De um lado, estão o governo e alguns movimentos organizados que exaltam os avanços presentes nos artigos do projeto de lei. Do outro, entidades do movimento negro consideram que o projeto, como foi votado, deixa de contemplar diversas bandeiras históricas de luta.

É inquestionável a importância de uma lei voltada especificamente para a superação das desigualdades étnico-raciais. O projeto aprovado na Câmara contempla algumas demandas que são antigas e que se demonstravam urgentes. Fica estabelecido, por exemplo, a obrigatoriedade das disciplinas história da África e dos negros no Brasil, no ensino médio e fundamental, em escolas privadas e públicas. Destacam-se também os pontos que garantem os direitos dos remanescentes quilombolas, além daqueles que estabelecem definições objetivas do que é racismo e punições para a prática do mesmo na internet.

No entanto, o projeto aprovado deixa de contemplar duas questões que hoje se mostram cruciais para os negros brasileiros. Primeiro, o texto, apesar de garantir direitos para as comunidades quilombolas, sobretudo em relação a incentivos agrários, mostra-se vago quando a questão é a demarcação de terras e também sobre a definição de quem são os remanescentes de quilombos. A outra questão diz respeito às cotas para ingresso no ensino superior. O tema é polêmico e novamente o poder legislativo abre mão do debate em nome de um aparente consenso.

O Estatuto aprovado na Câmara dos Deputados recomenda o mecanismo das cotas como ações afirmativas, mas não estabelece medidas para que sejam adotadas. A obrigatoriedade e regulamentação das cotas em caráter nacional é hoje uma das principais lutas pela democratização do acesso ao ensino superior, uma vez que as políticas de ações afirmativas já se mostraram eficazes nos últimos anos. É o que demonstra o Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Sociais (Laeser) em seu Relatório Anual das Desigualdades Sociais. De acordo com o Relatório 2007/2008, em 1995 apenas 18,1% do total de universitários brasileiros eram negros. Em 2006 esse número subiu para 29,9%. Essa elevação está ligada ao contexto de adoção de medidas de inclusão, sejam elas as cotas, ou os demais programas federais como o Prouni.

O mesmo relatório do Laeser mostra, no entanto, que ainda há muito a se fazer. Pois, em 2006, quando os negros atingiram quase 30% do total do contingente de universitários, eles representavam 49,5% da população brasileira. Se compararmos com os brancos, que eram 49,7% da população, mas ocupavam 68,5% das cadeiras nas universidades, percebemos como o caminho para a superação das desigualdades é longo.

O Estatuto da Igualdade Racial é uma conquista a ser valorizada, mas sua aprovação na Câmara deixa clara a necessidade de se reavaliar como se dão as concessões políticas em meio a lutas históricas e de grande importância para o povo brasileiro. Após uma década de discussão é de se questionar que a lei a ser aprovada não contemple questões que hoje se mostram como demandas urgentes para superação das desigualdades, principalmente aquelas que dizem respeito à democratização do ensino superior público, umas das poucas possibilidades de mobilidade social. Consolidar as ações afirmativas como uma política pública é uma das formas efetivas de se contribuir para o fim das discriminações e do preconceito, que, no seu conjunto, agem como entraves na mobilidade ascendente para a maioria dos segmentos mais pauperizados do país.

Leia aqui a íntegra do Estatuto da Igualdade Racial aprovado pela Câmara em 9 de setembro


extraído de Observatório de Favelas
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segunda-feira, 3 de agosto de 2009

MPF em defesa das cotas

MPF sai em defesa das cotas contra ação do Partido Democratas

30 de Julho de 2009 - 14:37 - MPF sai em defesa das cotas

Procurador-geral posiciona-se contra ação do Democratas que suspendia a matrícula dos 652 cotistas aprovados pela UnB

Câmpus da UnB, na Asa Norte: desde 2003, 3,2 mil alunos ingressaram na universidade pelo sistema de cotas

O Ministério Público Federal (MPF) está ao lado da Universidade de Brasília (UnB) na manutenção do sistema de cotas para negros. Em parecer enviado ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, posicionou-se contra a ação proposta pelo Democratas (DEM), que suspendia o registro (1)de 652 candidatos cotistas aprovados no último vestibular da instituição federal. A iniciativa sustentava que o sistema de reservas de vagas fere o princípio da igualdade e que o obstáculo para o negro chegar ao ensino superior no Brasil não é racial, mas, sim, econômico. O pedido de liminar, no entanto, ainda precisa ser apreciado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.

O procurador-geral entendeu que o pedido de liminar deve ser negado porque, ao contrário do que alegou o partido político, o princípio constitucional da igualdade não só é compatível como, em determinadas situações, até reclama a promoção de políticas de ação afirmativa "para superação de desigualdades profundamente entrincheiradas nas nossas práticas sociais e instituições". No parecer, Roberto Gurgel explica que a Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial é expressa ao autorizar as políticas de ação afirmativa baseadas em critério racial para favorecimento de indivíduos e grupos em situação de desvantagem.

Ele destaca também que o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, ao vedar os preconceitos de raça, sexo, cor, idade, e outras formas de discriminação, "não pode ser visto como um empecilho para a instituição de medidas que favoreçam os grupos e segmentos que são costumeiramente discrimi nados, ainda que tais medidas adotem como fator de desigualação qualquer desses critérios". Ao fim do parecer, o procurador-geral revelou que, atualmente, existem 35 universidades públicas que adotam políticas afirmativas, sendo que 32 preveem mecanismo de quotas e o restante adota sistema de pontuação adicional para os negros.

A ação judicial foi impetrada no STF pela advogada voluntária do DEM Roberta Fragoso Menezes Kaufmann, que também é procuradora do Distrito Federal. Em 2003, ela concluiu na UnB sua dissertação sobre o sistemas de cotas para negros, que foi a única de todas as apresentadas na Faculdade de Direito a contestar a reserva de vagas. Em entrevista ao Correio, na semana passada, Roberta Kaufmann disse que o atual sistema promove uma discriminação inversa.

A apreciação do pedido de liminar, no entanto, está nas mãos do presidente do STF, Gilmar Mendes. Na terça-feira da semana passada, ele assinou despacho dando prazo de cinco dias para que a Advocacia- Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República se manisfestassem.

1 - MATRÍCULAS

As matrículas para as disciplinas do segundo semestre de 2009 da UnB começaram ontem e podem ser feitas até as 22h de amanhã pelo site www.matriculaweb.unb.br. O processo servirá para confirmar ou retirar disciplinas oferecidas durante a pré-matrícula. Quem não tem acesso à internet poderá utilizar os postos dos campus da UnB.

Extraído de: Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
FONTE - Correio Braziliense

extraído de
http://www.jusbrasil.com.br
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Cotas, a intolerância relativizada?

Cotas, a intolerância relativizada?

Gilson Caroni Filho*
Jornal do Brasil

"The Graduate", pintura de Barnes Ernie

RIO - Ao entrar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da matrícula dos alunos negros aprovados pelo sistema de cotas da Universidade de Brasília, o DEM (ex-PFL) protagonizou um momento emblemático da nossa propalada “democracia racial”.

Há algo mais profundo, fortemente recalcado, em todas as discussões envolvendo políticas afirmativas em universidades públicas. Tanto o projeto de Lei Complementar, em tramitação no Senado, estabelecendo que as instituições de educação superior reservem 50% das vagas para autodeclarados negros, pardos e índios que cursaram o ensino médio em escolas públicas e venham de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita, quanto a lei estadual que instituiu o sistema no Rio de Janeiro sofrem forte resistência de atores políticos e de personalidades do mundo acadêmico. Afinal, a quem ameaça a implantação de tais medidas?

Conhecida por seu ativismo contra as cotas, a antropóloga Yvonne Maggie declarou recentemente que “uma coisa é dizer que o Brasil é um país desigual, com uma distância muito grande entre ricos e pobres. Outra coisa é atribuir isso à raça”. Para ela, “a lógica étnica ou racial não tem fim e só persiste porque a Fundação Ford investiu milhões de dólares no Brasil”. Como explicar o posicionamento da autora do livro Guerra de orixá? Adesão a um padrão de análise que, baseada nas formulações teóricas de Gilberto Freyre, vê a história brasileira como um suceder de arranjos e combinações calcadas na “cordialidade” de uma elite flexível? Reverência a uma arquitetura tão perfeita que o conflito só aparece como “algo externo a nossa gente”?

Esse tipo de discurso está tão cristalizado no pensamento social brasileiro que mesmo setores mais progressistas fazem coro a ele. Quantas vezes não ouvimos que as injustiças sociais em relação aos negros não seriam particularidades destes, mas do conjunto das classes trabalhadoras? Uma visão reducionista que ignora evidências estatísticas. Pelos números do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD), em 2002, enquanto os brancos no Brasil tinham um padrão de vida – considerando-se o nível de educação, expectativa de vida e renda – comparável aos habitantes dos Emirados Árabes (46º lugar entre os 173 países pesquisados), os negros viviam como habitantes da República da Moldávia (105º posição). Esses números não mostram uma correlação cristalina entre etnia e inserção social?

Não lembrar, ou fingir que não lembra, que em determinada fase de nossa história houve uma coincidência entre a divisão racial e social do trabalho é legitimar uma estrutura social rigidamente estratificada que, apesar dos avanços nos últimos anos, ainda persiste em atribuir aos brancos as atividades consideradas mais qualificadas, as que gozam de maior prestígio.

De acordo com o relatório anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008, da UFRJ, entre 1995 e 2006, o peso relativo da população autodeclarada parda ou preta subiu de 45 para 49,5%. Isso significa, segundo a pesquisa, que os negros podem vir a ser maioria da população do povo brasileiro nos próximos anos. Se por um lado os dados sinalizam para a derrocada crescente da ideologia do branqueamento, por outro o aumento da auto-estima entre a população não-branca se dá por uma série de fatores. E o principal, na opinião do antropólogo e professor da UnB, José Jorge de Carvalho, é “o aumento do debate sobre a questão racial no Brasil”.

Se Yvonne Maggie está correta quando diz que “raça é uma invenção dos racistas para dominar mais e melhor”, talvez, se debruçando sobre as particularidades do fenômeno racista, entenda a competência dos que manejam o discurso excludente. Aqueles que, sabendo que os negros são a maioria dos analfabetos, dos que recebem menores salários, dos encarcerados, dos subempregados e se constituem minorias nas faculdades, em grandes empresas e no Congresso Nacional, entre outros lugares de projeção, rejeitam o sistema de cotas alegando que “raça não pode ser critério de distribuição de justiça”.

Um olhar atento mostraria que “raça” sempre foi critério classificatório de quem pôde ter identidade e consciência histórica: uma elite branca que idealizou a tolerância que jamais teve. Qualquer estudante universitário sabe disso. Se for negro e cotista, então, conhece bem os limites das “relativizações possíveis”. Aquele pequeno espaço de dramatizações sociais para onde convergem os “orixás” da UFRJ e os senhores da direita escravocrata. Ali são forjados os estatutos “progressistas” da Casa-Grande.

* Gilson Caroni Filho é professor de sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha)

20:59 - 02/08/2009

Fonte: http://jbonline.terra.com.br
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segunda-feira, 6 de julho de 2009

Cafona é ser racista!

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Cafona é ser racista!

por Reinaldo Bulgarelli

Ações afirmativas e cotas visam corrigir situações de desigualdade baseadas em discriminação a determinados segmentos. Elas imprimem uma velocidade maior do que a consciência do conjunto da sociedade consegue garantir na solução dos problemas. Fazem todo sentido diante das resistências imensas que compõem as barreiras para dificultar o caminho do grupo discriminado.

Cota para mim é o mesmo que assinar um decreto de que a consciência ética faliu diante dos passos lentos e da resistência imensa que os negros enfrentam. Por isso mesmo apoio ações afirmativas e cotas. Depois da falência, podemos reconstruir nossa civilidade juntos e não na apartação vigente. Neste momento, são trinta e um anos da minha história escutando que o problema é social e não racial, que tudo se resolve apenas com o enfrentamento da pobreza e da insustentável concentração de renda. Não acho justo pedir aos jovens negros que tenham paciência e aguardem do lado de fora enquanto nossa consciência se amplia para não mais precisarmos de cotas. Em 1978, quando me dei conta do que era ser branco neste país racista, meus amigos negros já escutavam essa história e não acho justo que outros jovens continuem sendo enganados por essa retórica que tudo promete e nada de concreto propõe.

Podemos até acelerar esse processo de ampliação da consciência quando há cotas corrigindo as desigualdades. A questão é que não pode haver um tempo imenso distanciando nosso discurso da prática. Se hoje nos damos conta do racismo que nos atrapalha a todos, hoje mesmo podemos fazer algo para melhorar a qualidade das relações raciais. Mas a retórica joga para o futuro a solução e eu já venho assistindo isso na década de 70, 80, 90 e nesta primeira década do século XXI. Isso para falar em primeira pessoa, sem querer evocar aqui todos aqueles que vieram antes de mim. Podemos continuar pedindo paciência aos negros? Acredito que está na hora de brancos terem paciência com as conquistas que o movimento anti-racista vem realizando no campo da educação e do mercado de trabalho, por exemplo.

Trabalho atualmente com o meio empresarial, que ampliou minha consciência e meu compromisso com o anti-racismo por várias razões. Uma delas foi perceber que cresce a consciência entre empresários e as altas lideranças empresariais de que o racismo é prejudicial às pessoas, aos negócios e à sociedade. Muitos já se deram conta de que o racismo restringe possibilidades na composição de equipes efetivamente preparadas e na construção de planos condizentes com a realidade do país. Com argumentos muito pragmáticos, há quem tenha se dado conta de que o mercado interno pode ser ampliado na mesma medida em que se combate o racismo nos processos de escolha do próprio quadro de funcionários.

Eu continuo achando que combater o racismo é a coisa certa a ser feita, mas estes argumentos práticos para o sucesso dos negócios apenas fortalece minha convicção de que é um erro para todos apostar na discriminação racial e mantê-la sem alterações significativas por séculos. Creio também que é preciso ser mais firme na reversão dos argumentos para gerar reflexões de tipo novo em quem está numa situação privilegiada e não se dá conta disso. O racismo é uma ideologia que aparentemente beneficia alguns em detrimento de outros, os escolhidos para ficar do lado de fora. Ele prejudica a todos e dar-se conta disso amplia a solidariedade entre todos no aprendizado necessário para uma vida sem a prática do racismo.

Paulo Borges, diretor do São Paulo Fashion Week, ficou em grande evidência diante das ações que visam ampliar o número de negros neste empreendimento da moda que, segundo ele mesmo diz, trata-se de um negócio, muito mais do que uma arte. Ele disse também que essa discussão sobre negros na Fashion Week é cafona. Tem toda razão. O racismo é cafona, para repetir esse termo que alguns gostam de utilizar para se referir à falta de bom gosto na maneira de ser. Não é chique ser racista. Coisa mais sem sentido, por isso mesmo, é dizer que no Brasil não há modelos negros preparados para as passarelas. O argumento racista sempre coloca a responsabilidade sobre os negros e usam essa história da falta de preparo. É ingenuidade, piloto automático ligado que reproduz o que ouviu falar na esquina ou má vontade mesmo para barrar as pessoas segundo seu pertencimento étnico-racial.

A cafonice chega ao ponto de atrasar o pagamento dos modelos negros ou de pagar bem menos do que pagam aos modelos brancos, além de dizer que o Termo de Ajustamento de Conduta, assinado com o Ministério Público, atrapalha a liberdade dos artistas. Arte ou negócios? É preciso entrar num acordo. E arte só com brancos é mais arte ou arte de melhor qualidade? Não deveria se envergonhar quem diz algo deste tipo?

Ao invés de causar vergonha aos que defendem a falta de diversidade nas passarelas, causa vergonha em alguns modelos negros. Fiquei especialmente entristecido com a fala de uma modelo negra que se colocou diante do seguinte dilema: agora não será mais possível saber se me convidaram porque sou bonita ou porque há cotas para negros nas passarelas. Posso ajudá-la dizendo que seria muito bom que modelos brancos também vivessem intensamente esse dilema: será que estamos aqui porque somos bonitos ou porque os organizadores disso tudo são racistas e só reconhecem beleza em quem é branco?

Vejo algumas mulheres com essa mesma questão em empresas que investem em ações afirmativas na carreira feminina: será que fui promovida porque sou competente ou apenas porque sou mulher? Segundo pesquisa do Instituto Ethos, quase 90% da alta liderança das 500 maiores empresas do Brasil é constituída de homens, sobretudo brancos. Mesmo assim, eu nunca vi nenhum grande líder revelar em alguma entrevista que está em crise porque não sabe se alcançou a alta liderança da organização porque é competente ou apenas porque é homem e branco.

Já não se sustenta mais o argumento de que não houve tempo de formar uma liderança feminina porque a entrada significativa da mulher no mercado de trabalho se deu nos anos 70. Quase quarenta anos não foi suficiente para que mulheres alcançassem postos de liderança? Há homens que começaram uma carreira e até já se aposentaram neste mesmo período. As empresas que não são cafonas investem em ações afirmativas para acelerar esse lento processo de conscientização e para enfrentar com inclusão efetiva as resistências impostas pelo machismo.

Mas, têm que conversar com as mulheres e explicitar sua visão para evitar boicotes por parte daquelas que podem salvar a empresa da cafonice do machismo. Elas explicitam a todos que a diversidade evita risco aos negócios, melhora a qualidade das decisões, oferece maiores possibilidades de sucesso ao se lidar com um país também diverso e, acima de tudo, é a coisa certa a ser feita. A diversidade na população economicamente ativa é constituída de homens e mulheres, assim como de brancos e negros, hetero e homossexuais, pessoas com e sem deficiência, pessoas mais jovens e com mais de quarenta anos, entre tantas outras características que podem se transformar em motivo para desigualdades persistentes, naturalizadas e firmemente defendidas com argumentos de que o problema é social.

Ações afirmativas e cotas são conquistas de gente que tem pressa e quer dialogar sobre soluções melhores do lado de dentro e não da janela das organizações. Essa imagem é muito nítida quando escuto que os que estão do lado de fora devem ter paciência porque as mudanças são mesmo lentas e dependem da elevação da consciência de todos. Não podemos conversar na sala da casa ao invés de gritarmos por paciência lá do último andar? Essa multidão, que artificialmente é colocada na base da pirâmide por complexos processos de discriminação negativa, tem que ficar do lado de fora, na chuva, enquanto a gente se entende? Não podemos enfrentar nossos dilemas juntos, olho no olho, no mesmo piso? Não podemos juntos ganhar consciência, nos educarmos, sensibilizarmos e melhorarmos nosso desempenho neste campo da valorização da diversidade? Será que solitariamente um grupo de iluminados vai dar conta dos desafios de nosso tempo? Valorizar a diversidade é preciso e é urgente!

Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação, empresa que atua na área de sustentabilidade e responsabilidade social empresarial. reinaldo@txaiconsultoria.com.br - Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

Recebido de Dep. Jose Candido/GAB/ALESP em 03/07/2009
julianvic@gmail.com
fonte: http://www.geledes.org.br/ / Em Debate
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Política de cotas na perspectiva da justiça distributiva

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Política de cotas e o negro no ensino superior sob a perspectiva da justiça distributiva (1)

Shirlena Campos de Souza Amaral (2)
Adelia Maria Miglievich Ribeiro (3)

Apresentação

A Universidade Pública, na perspectiva aqui proposta, expressa e legitima valores que tendem a mobilizar a sociedade na qual se insere. É o lócus por excelência da formação de quadros profissionais qualificados, de um público leitor e crítico que, na chamada “sociedade do conhecimento”, desfruta de estratégias mais largas na constituição de suas próprias redes de acesso à informação, bem como de futuras lideranças científicas e políticas, não por acaso, muitas vezes, superpostas.

No entanto, ainda poucos brasileiros têm oportunidades reais de ingressar em tal lócus e ainda quando os argumentos em prol da impossibilidade da universidade pública atender às demandas crescentes por educação em nível superior firmam-se, faz-se necessário observar se, dentre os que estudarão na Universidade Pública, os mecanismos de seleção por quais terão passado ao longo de sua respectiva trajetória podem ser identificados como “justos” nos parâmetros do chamado Estado Democrático de Direito. Falamos, por exemplo, da oportunidade anterior de acesso à escola pública de qualidade, como condição sine qua de enfrentamento das perversas desigualdades sociais.

As políticas de cotas, no bojo das ações afirmativas, trazem consigo o discurso da reparação de injustiças sociais. Aqui, têm início as intensas polêmicas. Detemo-nos, em nosso estudo de caso, no exame da implementação e da eficácia da política de cotas para negros na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), em Campos dos Goytacazes, RJ.

Propomos que a política de reserva de vagas para negros nas universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e UENF – nos critérios em que ganhou existência jurídica tende a se legitimar, na prática, como estratégia de “justiça distributiva”. Buscamos, pois, examinar, com mais rigor, as possibilidades de sua fundamentação em argumentos pautados na proposta de “justiça como eqüidade” do filósofo político norte-americano John Rawls (1921-2002).

Num segundo momento, apresentamos a reconstrução dos principais eventos, discursos e debates que singularizam a implementação da política de cotas na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), atentando para as relações entre comunidade científica, poderes públicos e movimentos sociais.

Por fim, discutimos a eficácia da política de cotas para negros no que se refere à realização da pretendida inclusão social, concentrando a pesquisa nos anos de 2004 e 2005. Numa perspectiva comparada, analisamos o ingresso desse segmento da população nos cursos da UENF e nos cursos homônimos nas IES privadas de Campos dos Goytacazes.

Temos ciência de que não é simples objetivar o que é a aceitação ou rejeição da política de cotas como “discriminação positiva” visando à justiça como eqüidade e o que é a aceitação ou rejeição da reserva de vagas que unida a um critério “racial” põe em evidência não apenas as desigualdades sócio-econômicas em nosso país, mas a falácia de nossa decantada “democracia racial”. Neste caso, ainda aqueles que não ousam duvidar de que “a pobreza tem cor” no Brasil, suspeitam que as “cotas raciais” não minimizam o problema, mas criam desdobramentos ainda mais perversos, deixando de atacar o cerne da não-distribuição de renda no país, ao mesmo tempo em que prolongam uma política compensatória que, por isso, perde seu potencial de transformação. Somam-se às divergências político-ideológicas as dificuldades pragmáticas na operacionalização de tal política por nossas instituições de ensino superior. Atores envolvidos, confiabilidade dos critérios, seus limites mesmos, sugerem o quanto a política realmente existente ainda está longe do alcance de suas metas. A reflexão aqui contida – ainda que pontual - espera poder somar nos estudos sobre as potencialidades e os obstáculos da inclusão social na Universidade Pública.
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1 - Paper apresentado originalmente no 31.º Encontro Anual da ANPOCS, no Grupo de Trabalho Educação e Sociedade – “Sociedade Brasileira e Educação: o que já sabemos? O que precisamos saber?”, em 2007.

2 - Doutoranda em Sociologia e Direito (PPGSD) pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Membro dos grupos cadastrados no CNPq “Teorias Sociais, polêmicas e sínteses” e “Sociologia, Direito e Justiça”. E-mail: shirlenacsamaral@yahoo.com.br

3 - Drª em Sociologia – IFCS/ UFRJ. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS/UFES. E-mail: adeliam@censanet.com.br

Paper completo
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